quinta-feira, 14 de março de 2013

Bucovismo Sapienza



        Sirva uma palavra que talvez já esteja no dicionário, significando: "algo que se aprende fazendo".
        Sendo que os próximos serão necessariamente piores que os antecessores, incapazes de viver. Com o tempo teremos sorte manter-se a média da população mundial; é capaz de acabarem-se todos com uma idéia latente.
        Como quando a gente se depara com um livro e por acaso fica chocado: caralho, que pôrra!
        O livro falava dum assassinato por motivações políticas, sexo, drogas e a disputa pelo poder nas altas esferas, tipo assim, a Câmara e o Senado juntos, mas um bando de malucos engravatados sem noção, dizendo: "Eu posso isso e aquilo, então foda-se o País".
        Lógico que eles vivendo num mundo artificial que é "Brasília", político nadando em dinheiro vendo-se cercados por miseráveis que não param de gritar, chegando próximos do centro da República, ameaçando de morte as vistosas eminências eminênticas eminentes.
        Eu sou burro.
        Burro.
        Bem Burro.
                    ...

        Ela diz que têm tudo fácil, que eu não a mereço. Diz que tem algo errado comigo e com os planetas e as estrelas; só me quer como amigo, colega; que dê um pouco de carinho e tenharesponsabilidade, mas no fundo sinta amor pela sua figura. Depois disse:
        -Dá um sorriso.
        -Xis!
        Os caminhos insondáveis da não existência, nada disso era possível. Resolveu acatar as regras do jogo.
        Francesco disse:
        -Sabe o que ninguém ensina nas campanhas, nos currais? Todo dia é Dia Primeiro de Abril.
        -Sabe, cala a boca.

        "Meu coração tem um sereno jeito,
         e as minhas mãos o golpe duro e presto,
         de tal maneira que depois de feito,
         desencontrado eu mesmo me contesto
         Se trago as mãos distante do meu peito,
         é que há distância entre intenção e gesto."

terça-feira, 12 de março de 2013

Uma Estória Assim



        Ela liga dizendo que está a caminho, e em menos de vinte minutos liga de novo:
        -Já estou aqui te esperando...
        Depois de todo esse tempo eu soube o que fazer assim que a vi; ela sorria, beijei seu rosto, depois sua boca.
        Mas não encontrava palavras. O que dizer?
        -Como vai a vida?
        -Pô, conheço um cara que some com óleo queimado, acreditas?
        -Quando chove à noite bate frio que só...
        -Aí Fulano disse: "Toca Raul!"
        -Curtes Cazuza?
        -Estás muito Gostosa.
        Chegamos em casa, ofereci duas bebidas, ela aceitou água, eu tomei cana.
        E conversamos, buscando lembrar quem éramos de todas as formas, até que em dado momento encostei a língua em sua pele, veio um gosto entre o salgado e doce; senti seu perfume, depois o calor daquela transpiração, do movimento dos quadris, enquanto a cabeça explodia.
        Então ela foi embora e não sei mais o que aconteceu.
        Vi-a dia desses num sonho, ela me abraçou, tentava me dizer alguma coisa mas não pude escutar, alguém batia na porta. levantei e fui ver quem era.
        A mente regressava, rememorando o passado: sobrevinham os viventes como flores pisadas, feito sombras fugazes, impermanentes.
        Num instante a voz dizia: recorde!
        Recordei:
        Três dias sucederam-se: um do passado, apenas justas memórias; outro do presente, daquilo que acontecia. E o último daquilo que estava por vir: o que seria?

sexta-feira, 8 de março de 2013

A Vida Estranha



        -Eu preciso de você!
        -Eu já não quero mais saber de ti!
        -Sabes que te amo, fica comigo.
        -Credo! Te falei que tenho outro, desencana!
        Olhava aquela cena meio bizarra, mas perfeitamente comum, do casal que tomava a quinta cerveja e mal tinha tocado no tira-gosto.
        O cara era um senhor por volta dos seus quarenta e poucos anos; a moça mal tinha chegado aos vinte; mas tinha um certo jeito de parecer dona de sua vontade e de si mesma.
        Como se tomar aquele porre, fumar, discutir e beijar um homem de meia-idade fosse apenas capricho, sentindo-se maior do que si mesma perante outros babacas.
        Fora as coisas que fazia com a língua.
        Teria saudades dela, foi o a primeira coisa que o cara pensou, assim que ela levantou e foi embora e imaginou que talvez nunca mais encontraria uma mulher igual àquela...
        Daí ouviu um som que o fez dormir e teve um sonho: sonhou como se o mundo fosse feito de um mesmo elemento poderoso, feito um perfume de flores e suas cores, feito fogo índigo, um gosto de nozes, leite e mel.
         E antes de acordar viu por dentro do pescoço o teto, no momento da derrubada de um jambeiro, em que o corpo desperto notava que era possível esquecer-se de tudo, feito um sonho inteiro esquecido, como quem perde um cílio.  

quinta-feira, 7 de março de 2013

Esperando João



        Desidério entra em cena.
        Sob uma luz amarela, caminha até chegar num banco de praça onde senta-se e cruza as pernas:
        -Marquei aqui com o João, então deixa ver que horas são...
        Dez para meia-noite.
        Passa gente de todo tipo, dum lado pro outro, inclusive um vagabundo:
        -Êh, chegado, descole um cigarro... Um gole também... Falou.
        Passa um conhecido:
        -Caraca, cara! Mais de meia-noite sentado aí, tipo assim, pô, arruma pro seu chegado uma intéra duma parada aí... E um gole também... E um cigarro desses... Tipo assim, valeu aí...
        Passa uma van lotada, um ônibus vazio, notívagos, mendigos, drogados, depois surge do nada uma banda de rock e começa ajuntar gente em volta dum palco:
        -Ei, figura, saca só essa banda, tu curtes?
        -Não faço a mínima idéia de quem seja. Estou apenas esperando, marquei aqui com o João, ele ainda não chegou e...
        -Saca só essa música, é a "Sanguinolento Catarro Metabólico", dos "Filhas-Da-Puta do Rock":
        "Tu queres dar um tiro,
         Depois quer se matar
         Tu  fazes só cagada
         Depois tem que limpar
        Tu vives nessa merda
        Depois queres cheirar

        Teus dentes tão caindo
        Teu peito tá vazio
        Se gostas dessa vida

        Vais pra fruta-que-caiu (3x)"

        Tocaram outras bandas depois dessa, daí as pessoas começaram a dispersar, um ou outro bêbado arrumando confusão ou vomitando, até desmontarem o palco e aquelas pessoas tomarem rumos desconhecidos.
        Exceto Desidério, continuando a aguardar no mesmo banco a chegada de João, quase cinco da manhã, sem viva alma na rua:
       -Bem, certamente este atraso é por algum motivo, provavelmente João irá ligar ou mandar uma mensagem dizendo se vem ou não. Então o melhor a fazer é esperar.
       Assim continuou sentado, acendeu outro cigarro, tomou outro gole.
       Até que choveu.

domingo, 27 de maio de 2012

Do Amanhã Nada Saberemos




        Um convite inesperado e no dia seguinte rumava pela manhã bem cedo para voltar à ilha de tão boas memórias.
        Ao  botar os pés na areia eram ali exatamente onze e trinta e três, depois da travessia de canoa do Quarenta em direção à vila de Mocooca, seguindo a pé uns vinte minutos, até alcançar a Comunidade do Índio Verde, onde deveria permanecer durante o restante da semana.
        Pediu uma cerveja que veio estupidamente gelada, cavada do fundo do congelador, para ver se tomava coragem de se atirar na maré, naquele sol do meio-dia à pino, mas felizmente o vento constante não deixava a gente sentir o calor.
        -Rapaz, vou mandar desligar esse ar-condicionado, que já tá gastando muita energia...
        Era o Índio, tirando maior barato que aquele era o melhor lugar para se tomar cerveja no mundo: a areia brilhava de tão branca e tudo era muito iluminado; o vento permanente aliviava a pele dando uma sensação de sonho naquele braço de mar esverdeado, as manchas acinzentadas dos cardumes de sardinhas.
        Aos 19 anos, temos a certeza de que em nossa vida faremos apenas coisas inocentes, convencidos de tomar sempre as decisões acertadas, ao invés das verdadeiras cagadas que nos acompanharão a vida inteira.
Pode-se sinceramente ter uma opinião verdadeira sobre o mundo e o futuro, e do fundo do coração seguiremos aquele caminho, correndo o risco de tomar para si as maiores preocupações, enfrentando cada problema com a dificuldade mental dos que têm obrigação de mentir em cada momento àqueles quem ama, e o que é pior: mentindo para si e para os outros, que é uma merda tão inimaginável que fode o convívio.

sábado, 26 de maio de 2012

Como Consegui Um Bom Emprego




        Barba feita e cabelo cortado, roupa nova comprada em dez vezes no cartão da namorada, documentos e currículo dentro da pasta de papelão, cheguei no local, um restaurante sofisticado, e fui falar com o dono:
        -Bem, vejo que você tem alguma experiência, fez uns cursos por aí, blá, blá, blá, e como no momento estamos com uma carência de pessoal, você pode começar imediatamente: primeiro lavando aquela pilha de louça suja ali, depois limpa os banheiros, passa um pano com detergente no salão, lava o chão da cozinha, organiza os produtos  no freezer, etc, etc, depois ajuda a baixar as portas quando a gente fechar lá pelas três da manhã.
        -E quanto ao salário?
        -Salário? Você começa recebendo só o dinheiro do transporte, aí se for aprovado no teste a gente vê se discute algum pagamento.
        Como pra cachorro esfomeado osso é filé, aceitei.
        Um mês depois, economizando o do busão indo de bicicleta, mas gastando esse dinheiro remendando toda semena a coitada da magrela, que não aguentava o tanto de buracos na ciclofaixa (nota: ciclofaixa é uma idéia genial de algum administrador probo, que resolveu pintar um estirão de cal às margens da pista conhecida como "Rodovia da Morte", que protegia tanto o ciclista quanto um boné protege um motoqueiro no caso de acidente), resolvi perguntar quando ia começar a receber:
        -Pagamento? Está brincando? Já disse que você está aqui de experiência!
        -Mas é que já faz mais de mês...
        -Escuta só, eu quando comecei a trabalhar passei foi três meses sem receber salário lá na empresa do papai!
        -Pois é, mas é que eu tenho umas contas pra pagar que estão atrasadas...
        -Mas quem mandou fazer dívida? E olha que ontem aquele freguês reclamou que o banheiro estava sujo.
        -Pô, mas foi esse mesmo sujeito quem pintou de vômito a parede e defecou fora do vaso!
        -Não interessa, volta pra pia que tá acumulando louça, depois eu penso no teu caso.
        Um belo dia o cozinheiro faltou, tinha arranjado coisa melhor numa fábrica de roupas que empregava imigrantes bolivianos, aí o patrão chegou pra mim e perguntou:
        -Vem cá, você sabe cozinhar?
        -Bem, sei fritar ovo, ferver água, fazer café, miojo...
        -Perfeito! Então hoje você é responsável pela cozinha! Pode ir pra beira do fogão que já saíram uns três pedidos.
        E foi assim que graças ao paladar refinado dos clientes acabei virando o cozinheiro do lugar, passei a ganhar cem contos por semana, e a primeira coisa que fiz foi comprar uma jance nova pra bike, pois a outra já estava mais empenada que gaiola de pobre, nem o cara da oficina perto de casa que é meu amigo conseguia mais dar jeito.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Vôo Noturno




        Uma coisa assim estranha, um formigamento, uma tremedeira, e no minuto seguinte meu corpo era arremessado violentamente pala janela, arrebentando galhos de árvores e antenas, telhas e vergalhões, cobrindo-me a pele de rasgos. Eu sentia o gosto de sangue na boca, prestes a rebentar os cornos no chão de piçarra da rua, mas ante a desgraça iminente tive um pensamento que me atirou vertiginosamente para o alto.
        O vento era tão forte que não consegui abrir os olhos.
        Um vento desconhecido conduzia meu corpo retalhado cada vez mais alto, cada vez mais para cima, o medo fazendo tremer cada fibra, impedindo de organizar o pensamento.
        Olhei para baixo e estava tão alto, mais tão alto, que tive medo de morrer.
        E finalmente parei, flutuando naquela imensidão, naquela noite fria, daquela altura onde podia ver as ruas cortando a cidade, pontos luminosos, brinquedos de criança, as avenidas principais à distância iluminadas como se fosse o Natal.
        Não sentia mais dor. O vento frio anestesiara os membros, devolvendo o contole dos movimentos, e nesse momento tornei-me consciente do que estava acontecendo: por um milagre, podia voar.
        Bastava um pensamento e viajava vertiginosamente para onde queria, numa velocidade tão grande que me arrancava lágrimas dos olhos; eu poderia ir mais rápido se quisesse, passeando por cima da cidade adormecida, descendo até a periferia, sobrevoando a região mais escura das matas ainda não devastadas, perseguindo um avião que havia acabado de decolar do aeroporto.
        Depois com outro pensamento eu alcançava quase instantaneamente o centro da cidade, de longe vendo os prédios e as pessoas lá dentro atrás das janelas, protegidas daquele vento frio: se não subisse novamente seria capaz de me chocar contra as árvores que faziam tanto barulho naquele lugar, soando como o último suspiro de uma natureza perdida, agora distorcida entre ruídos e gritos agudos feito vidro estilhaçado.
        Então o medo da queda me fez desejar subir novamente o mais possível, percebendo que a aventura iria acabar, ali a mais de mil metros de altura, repentinamente fiquei parado, sobrevoando a Baía do Guajará:
        "O que está acontecendo, porra! Se eu cair dessa altura, mesmo sobre a água, vou morrer, caralho!"
        E comecei a cair.
        E cada vez mais rápido, mais próximo do fim, tive um último pensamento:
        "Acorda!"