Existia naquele lugar chamado Terra Alta, além de fartura de peixes e mandioca, muita imaginação e seres fantásticos, que conviviam pacificamente cada um em seu canto, raramente incomodando-se um aos outros, a não ser uma vez por mês na ocasião da Festa da Lua Nova, que eles costumavam celebrar doze vezes por ano (em Terra Alta o ano tinha apenas 336 dias, e cada mês era representado no calendário por um ciclo lunar) num lugar chamado Casa de Noca, onde existia um altar que pertencera há muito tempo a uma feiticeira poderosíssima, Pasárgada, que havia desaparecido misteriosamente e tornara-se parte da mitologia dos habitantes da região.
Haviam os Muares, que eram metade pra baixo homens, cintura para cima mulas, comiam capim, carregavam fardos enormes e relinchavam, e por isso eram considerados ótimos trabalhadores braçais. Ao contrário dos Magiros, um povo muito difícil de ser encontrado, pois viviam no meio da floresta e durante as festas lunares assumiam uma forma etérea, e por isso nunca podia-se dizer como eles eram realmente, já que só era possível vê-los com o canto do olho, ainda assim por instantes, coisa que apenas as crianças do lugar se davam ao trabalho de fazer, já que depois de crescidas todos chegavam à conclusão de que Magiros provavelmente não existiam, não fosse pelo detalhe de que eram ótimos fabricantes de fogos de artifício e truques em geral.
E por último os Grados, uma raça reclusa que vivia ocupada em estranhos afazeres e que em pouco ou nada interferiam no cotidiano de Terra Alta, responsáveis por prestar os ofícios à Deusa Onion durante os festejos mensais, a quem homenageavam cortando cebolas e servindo aos convivas na forma dos mais variados pratos. Dizia-se que em tempos imemoriais também tinham inventado o sushi.
Um jovem chamado Jaspion, pertencente ao clã mais baixo entre os Grados, cuja família de agricultores não teve dinheiro para bancar a instrução necessária para que participasse da iniciação a que todos deveriam submeter-se, perderia a última oportunidade do ano durante a próxima Lua Nova de tornar-se um membro reconhecido entre seu povo:
-Que droga, Gosh! Desse jeito não participaremos este ano da festa e seremos considerados cidadãos de segunda classe até o ano que vem! Raios!
-Acalme-se, Jaspion! Ontem, durante o trabalho no campo com os Muares, ao passarmos próximo à Floresta Negra, arrisquei um olhar de relance e veja o que encontrei...
Gosh tinha nas mãos um livro encadernado em couro, que na certa pertencera a algum Magiro, pois estava escrito numa língua estranha para eles, que por não conseguirem entender uma palavra decidiram levar o alfarrábio às mão do Sábio da Montanha, e quem sabe assim poderiam participar da Festa na semana seguinte e finalmente tornar-se pessoas de verdade, pois não aguentavam mais ter que dividir os mesmos afazeres com as crianças do vilarejo onde viviam, o que fazia-os serem alvo de chacotas por parte dos outros jovens que já haviam sido iniciados.
Escalaram a montanha e bateram à porta da cabana do Sábio, para que ele decifrasse o conteúdo do fólio que tinham em mãos e dissesse o que tinham de fazer:
-Quem bate à minha porta a uma hora destas?
Pelo olho mágico, o Sábio viu que tratava-se de apenas dois garotos, mas que tinham em mãos algo que há muito ele ansiava em seu poder: O Livro Ininterrupto, que continha todos os segredos e truques dos Magiros:
-Oh, entrem, entrem! Vejo que vocês são, deixem-me ler os crachás, Jaspion e Gosh, o que os traz aqui? Oh, e que livro é esse que vocês tem aí, eu posso vê-lo um instante?
Os olhos do sábio brilharam ao folheá-lo. Não comprendia muito bem os caracteres, mas percebeu que ali encontravam-se todos os truques secretos do povo que era respeitado justamante por isso: manter-se em segredo, apenas vez ou outra fazendo aparições espetaculares e sempre com muitos fogos de artifício.
-Então, senhor Sábio da Montanha, se esse livro é tão importante, eu e Gosh poderemos participar da Festa da Lua Nova semana que vem?
-Sentem-se aqui, tenho que explicar uma coisa para vocês. Alguém sabe que estão aqui?
-Não, viemos em segredo, disse Jaspion.
Então começou a contar-lhes a estória mais maravilhosa que já haviam escutado:
(Continua)
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