terça-feira, 6 de setembro de 2011

Como Ser Eu Mesmo


            ...nada a fazer depois do trabalho, ele então decidiu ligar para uma conhecida, de quem certamente estava afins, para darem uma volta. Quem sabe tomar umas cervejas, olhar as pessoas por aí, e depois poderiam ir juntos à casa dele.
            - E o que tu achas de eu sair daqui direto pra tua casa?
            A franqueza da pergunta pegou-o desprevenido. Era óbvio até para ela que seu interesse era transarem, mas embora soubesse disso, ele não imaginava que ela poderia ser tão direta, num assunto que para a maioria das pessoas é muito complicado, em que se perdem em voltas e circunlóquios, quando o que querem na verdade é simplesmente trepar com alguém, cuja companhia julguem agradável ou que desperte o tesão.
            Ela chegou e aceitou a cerveja que ele ofereceu, e ficaram os dois se olhando calados, talvez se analisando, perdidos em seus próprios pensamentos. Ele parou de imitá-la e então perguntou o que ela queria que fizessem, pois além de sexo não havia muita coisa a ser feita ali. No máximo folhearem uns livros ou assistirem algum filme. Ela deu uma olhada nos livros sem maior interesse, então pegou uma antologia poética que folheou um pouco, para logo em seguida largar em cima da mesa, depois parou ao lado do aparelho de som. Colocou pra tocar uma música do Caetano Veloso, que ela achava bacana dele ter ali, porque ela adorava o Outras Palavras, então inesperadamente tirou a roupa e ficou só de calcinha na cama. Segurou-o pelas mãos e disse:         
-Vem!
            Mais uma vez ele foi pego de surpresa por aquela garota; pelo jeito como ela se portava em relação a ele. Na atitude de quem parte para a caça, desestabilizando-o de tal forma, mas deixando claro que estava a provocá-lo em seu instinto de macho, para que ele finalmente atacasse-a e ela pudesse sentir-se como presa também.
                                                                               ...
            Anoitecia quando os dois finalmente se deram por satisfeitos. Os corpos nus suados e ofegantes, abraçados como se fossem amantes já de longa data, que era justamente como eles sentiam-se naquele momento:
            - Vítor, posso te perguntar uma coisa?
            Ele pensou no quanto aquela garota não parava de surpreendê-lo. Ela chegara dizendo o que queria quando dava na telha, o que poderia ser agora tão grave para pedir-lhe permissão, já que ela não havia se importado a tarde toda? Curioso e fascinado, ele fez que sim com a cabeça. Ela pegou as mãos deles nas suas, olhou-o no fundo dos olhos sem que ele conseguisse desviar, e perguntou:
            - O que você achou de mim? Digo, do meu jeito, e quanto à nossa transa e todo o resto?
             - Você é sempre tão direta com as pessoas assim? Eu não consigo responder a isso!
            - Consegue! Não acredito que estamos abraçados nus e não sentes nada aí dentro! Pode ser um sentimento que venha a se transformar no futuro, caso a gente continue a se ver ou não. Sendo assim você pode contar sem medo de que eu vá ficar ofendida, aí depois eu conto o que achei de você, se tu quiseres ouvir...
            Ninguém fala para o próximo o que realmente acha dele, pelos mais variados motivos, o interesse sexual sendo um desses. É óbvio então que ele não contaria a verdade sobre o que achava dela, embora há anos não se lembrasse duma primeira vez em que transara com uma garota e que tivesse sido tão bom. A maneira como sentira ela entregando-se a ele e ao prazer, uma trindade existindo desde o começo dos tempos, envolta em mistério e temor, que vibrava eternamente na mesma sintonia e que em minúsculas existências se realizava. Além do mais, tinha medo de qual seria a resposta dela, pois com razão julgava que ela dir-lhe-ia exatamente o que achava dele, e temia que ela descobrisse-o um perfeito idiota.
            Sendo assim, antevendo que ela fosse rebaixá-lo, portanto já amesquinhando um pouco o sentimento que mal despontara, disse que não achara grande coisa. Que se ela queria saber a verdade, já transara com mulheres mais gostosas, ela fosse desculpando ele falar naqueles termos. Disse que gostou do corpo dela e que por isso poderiam continuar se encontrando, mas que achava esse negócio de só falar a verdade não só impossível das pessoas fazerem o tempo todo, como achava também que ela estava fazendo tipo, porque ninguém consegue agir de tal jeito a vida inteira, ela deveria então parar com aquilo, pois ele queria muito mesmo saber como ela realmente era.
            - Tu achas mesmo? É porque nunca tinhas conhecido alguém que não tem nada pra esconder, e que por isso os outros pensam que vive escondendo quem realmente é, "fazendo tipo". Enquanto isso a maioria das pessoas, de tanto tentar ocultar dos outros quem realmente são, acabam tornando-se falsas e enfadonhas, no final das contas enganando apenas a elas mesmas!
            Ele ficou espantado. Centenas de coisas passaram pela sua cabeça, mas na confusão ele não conseguiu dizer uma única palavra. Apenas olhava o rosto daquela garota, que irradiava uma felicidade estranha, e que possuía uns olhos vermelhos como um pôr-do-sol, queimando por dentro daquele que conseguisse sustentar o seu olhar:
            - Bem, Vítor, eu acho que você é...

Um comentário:

  1. Amei o que escrevestes pelo fato de abordar o que realmente as pessoas pesam e como elas agem em encontros a primeira vista. Gostei demais. Beijos

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