quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Acorda, é Tarde

         Continuava o espetáculo da natureza. O vento embalando jambeiros, mangueiras, bananeiras, coqueiros. Voltava os olhos e pousava-os no embalo salpicado de pontos que iam do amarelo vivo ao vermelho sangue, movimentando-se como o estranho pássaro verde.
O brilho das coisas impressionava pelo excesso ofuscante. Na tentativa de fixar a visão por alguns segundos em qualquer objeto, cegava-o tamanha claridade.
         Não fosse pelo vento a levar o calor, dispersando-o da superfície com a umidade que subia e turvava as imagens como numa miragem, seria provavelmente insuportável sobreviver sob este sol.
         As nuvens a todo tempo empurradas pelo vento tomam as mais diversas formas. Olhando diretamente para o enorme disco de fogo a vista ficava com uma persistente mancha azulada por vários minutos.
         O pássaro pousado no canto do muro começou a cantar.  Dentre todas, a arte do suí é a mais irritante: apenas um piado fino sem melodia, pior que uma cambachirra.
         Mesmo assim escutei embevecido aquele canto chinfrim. Senti saudades quando terminou e saiu voando. Imaginei que tudo aquilo fazia parte de um projeto superior, lamentando pela incapacidade do pássaro de não poder transmitir convincentemente o que seria a existência de um ser vivo abençoado com o dom maravilhoso de voar pelo firmamento, e o privilégio desta visão, e o sacrilégio de ao menos não se esforçar por transmiti-la.
         Tenho aguardado durante mais este dia, e  por isso escolhi esta como a hora da contemplação e do agradecimento por mais uma tarefa cumprida, mesmo que a espera tenha sido em vão.
         Torço para não ficar cego tamanha a beleza e o prazer de admirar este espetáculo e ver o que vejo.
         A energia deslumbrante que me alivia de qualquer sentido e me obriga a reverenciá-la, como se o ocaso diário fosse a representação da vida fadada a fenecer, efêmera e fugaz, embora infinita; e no fim fosse a nós reservado o vislumbre da assinatura do mestre em obra imponderável.
         Peço que o valor dado a cada momento da vida seja medido não pela tua vontade ou pela minha, mas pelo espírito por trás de tudo  que chama-se "A Medida de Todas as Coisas".
         E para crer seja necessário apenas que ao mesmo tempo creias em tua própria vida, e na superioridade do espírito humano sobre todas as contingências de nossa existência.

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