quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Mor Morsa do Grato

"Quase eu sei não há paz, mas tento esquecer que vamos morrer, morrer muito cedo por causa do medo, por causa de loucos que eu sei não são poucos, que querem assim, pra todos um fim,  por meio da guerra fazendo varrer da face da terra tudo que existe."

        No beco encolheu-se escondido na penumbra, tentou olhar o que se passava esticando apenas um pouquinho a cabeça por detrás do muro, enquanto apertava debaixo do braço a sacola com as compras do fim de semana. Apenas não estava entedendo nada.
        A única coisa que queria depois do trabalho, de perder grande parte do dia no engarrafamento, num coletivo imundo e eternamente lotado, de ver no mercado os produtos aumentando de preço ao sabor de sabe-se lá que interesses e o dinheiro cada vez mais curto, era uma chuveirada e o carinho da mulher e da filha, as únicas que lhe davam forças para recomeçar no dia seguinte.
        "Fim do mês está aí e essa já é a segunda prestação que eu deixo de pagar. Veja só, a vida só é dura para quem é  mole, mas o que vou fazer agora?"
        Saltava sempre a menos de duas quadras de casa, caminhava ainda imerso em seus pensamentos, que na verdade eram meias-inverdades sufocantes à respeito da realidade em que vivia, e quanto mais pensava nessas coisas mais permanecia alienado e deprimido.
        Faltava-lhe um tipo de experiência que estava prestes a ter.
        Pois ao virar a esquina teve um susto tão grande que segurou-se num poste para não cair, depois escondeu-se no beco ao lado imaginando que ali estaria seguro.
        Onde antes existira sua casa e todas as outras da vizinhança existia agora apenas um matagal gigantesco; na verdade parecia que uma floresta tinha crescido ali, mas não era possível árvores daquele tamanho terem crescido num único dia , pois todo o bairro estava repleto de árvores e matos e cipós, e sentiu como se houvesse alguém invisível movendo-se por ali, mas era como se na verdade ele estivesse sendo transportado para outro lugar.
        Muitas árvores, milhares e de várias espécies amontoavam-se umas sobre as outras, cipós, bromélias, bichos da noite que rastejavam sobre as folhas do chão; diferentes ruídos, piados, assobios agudos e roncos graves. A vibração de uma respiração geral como a de um gigante verde que estivesse se aproximando, prestes a capturá-lo.
        E se voltasse até o ponto de ônibus? Talvez tivesse descido no ponto errado, nesse caso bastava pegar outra condução e voltar para casa. Mas quando prestou atenção novamente já era tarde, seu coração quase parou.
        O caminho por onde viera e tudo o mais virara um emaranhado de árvores e plantas indistintas, o gigante tinha-lhe alcançado: insetos escalando-lhe a perna por dentro da calça, cipós tentando enredá-lo, braços compridos e finos como caniços que saíam aos montes do meio matagal e impediram-no de gritar quando finalmente arrastaram seu corpo para dentro da escuridão.

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