Amava? Odiava? Quem? A si e ao pai que a abandonara, a mãe cheia de caprichos, a irmã de quem tinha ciúmes e o próprio filho, prova viva de um fracasso.
O pai conhecia por fotos, mas mesmo assim não prestava, pois era o que a mãe sempre dizia, que todo homem não prestava. A irmã achava que tinha nascido junto com o mundo, que bastava crescer os peitos e a bunda para tornar-se uma mulher de verdade. Certamente é mais fácil trilhar um caminho já percorrido do que se perder pelo desconhecido. E ela, o que fazia?
Seu filho era do homem que a trocara por outra, quem sabe outras, muitas, várias, não importava. Nada valia preocupar-se com quem não era mais seu. Tinha agora um longo futuro pela frente a estender-se por gerações. O próximo passo, assim como os anteriores, irreversível em direção à cova, mas desta vez com a consciência do fim desejado, educar e alimentar a prole.
"Vivemos na escuridão. Apenas um Deus poderia encontrar o caminho."
Ela foi procurar o Deus que daria sentido aos seus atos, mas como mulher procurou-o no único lugar onde estava acostumada: nos outros ao invés de dentro de si. Num marido, num filho, num pano rasgado e um monte de tijolos, num sonho:
-A porta está aberta! Convido todos a entrar!
Mas parecia satisfeita. Milênios de cultura, sabedoria e civilização e ela ainda se fingia de sonsa.
Orgulhosa de ter encontrado e poder mostrar aos outros como supostamente fora fácil. Assim como quem dá uma topada num pedregulho e pragueja de dor, alardeava a felicidade de um dedo do pé quebrado:
-Não estou chorando, isto são lágrimas de alegria! Ha ha ha ha ha ha...
Algo em seu coração queria ver o filho morto, bastando para isso enforcá-lo numa árvore, pendurar-se por misericórdia em suas pernas, o peso extra trazendo-lhe um fim rápido e indolor. Viu o rostinho congestionado pelo sangue pondo a língua para fora, até findar-se a respiração num último espasmo que não chegaria a se completar.
"Chorem os céus. Que as lágrimas encharquem esta terra e que passado e futuro sejam tragados pelas ondas do esquecimento. Que não sobre memória ou esperança onde agarrar-se ante a tragédia dos homens: que castigo pior que as trevas da morte merecemos pela nossa iniqüidade?"
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