sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Companheiro na Casa do Carvalho

        -Já vai!
        Estava uma noite agradavel. Eu tinha acabado de sintonizar o rádio em "Uma Hora de Clássicos da Música Internacional"; servido a primeira dose de uma cachaça de Abaetetuba que uma amiga tinha me dado, quando algum desenganado começou a bater desesperado o cadeado no portão e a gritar:
        -Ôôô de casa! Ôôô de casa! Ôôô Carvalho! Ôôô...
        -Já vai!!!
        Fui descendo es escadas tentando imaginar quem seria àquela hora, e antes de chegar ao último degrau vi a cara sorridente do Henrique Gargalhão entre a grade, escancarando os dentes e cumprimentando naquele jeito livre dele de ser, com uma cuia pendurada no pescoço por um cadarço de sapato, sei lá.
        -Felicidades! Felicidades! Como vai vossa senhoria?
        -Putz! Fala Garga, que bons ventos o trazem?
        -Hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã!
        Depois de dar essa risada gostosa, ele foi entrando para tomar uma água:
        -Água geladinha é muito bom pra forrar o estômago, mas quando a gente está com o bucho forrado, né companheiro? Não tem uma farinha aí pro seu amigo fazer um chibé aqui não? Perguntou ele botando mais um pouco d'água na cuia.
        -Deixa de ser palhaço, rapá. Acabei de esquentar o feijão, frita um ovo, janta aí.
        -Pô, eu não como carne nem ovo que é só hormônio e esse feijão tem porco! Não tens outra coisa aí?
        -Meu velho, então pega essa vasilha aí do teu lado e se quiser enfia farinha até pelo rabo, depois tu empurras com a água dessa cuia.
        -Hã hã hã hã hã hã hã hã hã! Mas é um cômico esse meu amigo! Deixa que eu como o feijão então, não tem problema...
        -Não tem mesmo?
        -Fica despreocupado! E deixa que eu como direto da panela que é pra não sujar muita louça pra ti lavar!
        -Ah, muito obrigado!
        Depois dele tentar matar uma fome de três dias fui subir e ouvir meu programa, além do que não via a hora de dar um gole na cachaça e me esticar na rede pra relaxar:
        -Agora sim, finalmente posso sossegar com uma biritinha.
        -Ôpa, companheiro! Essa cachaça é daquelas de Abaeté? Olha que não estou nem bebendo mas aceito um gole!
        -Pois é, eu ia tomar desse copo e perguntar se tu não quereres também uma dose e...
        -Pô, valeu companheiro!
        Disse isso e com uma velocidade incrível arrebatou o copo da minha mão, matou o conteúdo numa só talagada, fez careta e ainda assoprou o bafo maravilhoso na minha cara, finalizando com um arroto gostoso de feijão e ovo.
        Nesse momento começaram a cair no telhado os primeiros pingos de uma chuva que pelo visto ia durar a noite toda:
        -Mas olha só que sorte, companheiro! Vai cair essa chuva mas eu vou poder dormir aqui na tua casa enquanto a gente toma essa cachaça! Hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã!!!
        Eu só disse uma coisa:
        -Levanta da rede.
        -Qual é, companheiro, deixa eu deitar aqui! Não me acostumo a dormir em cama, e olha que eu tento bastante!
        -Levanta agora...
        Dei pra ele um guarda-chuva, uma capa, uma blusa seca numa sacola e disse:
        -Cai fora.
        -Mas tá chovendo muito!
        -Então torce pra que quando passares por este portão ela comece a afinar...
        E assim que meu chapa Henrique Gargalhão pôs os dois pés na rua, a chuva ficou dez vezes mais forte.

2 comentários:

  1. É assim mesmo, os chatos tem a capacidade de aparecer nos momentos mais inoportunos possíveis. Pode?
    É só pode ser coisa de chato, amigos chatos, quem não os tem atire a primeira pedra.

    Ótimo conto. Parabéns!

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  2. Vou te dizer, meu chapa. O cara com um amigo dessa qualidade... Não precisa de inimigo.

    Muito bom! Abraços!

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