-Já vai!
Estava uma noite agradavel. Eu tinha acabado de sintonizar o rádio em "Uma Hora de Clássicos da Música Internacional"; servido a primeira dose de uma cachaça de Abaetetuba que uma amiga tinha me dado, quando algum desenganado começou a bater desesperado o cadeado no portão e a gritar:
-Ôôô de casa! Ôôô de casa! Ôôô Carvalho! Ôôô...
-Já vai!!!
Fui descendo es escadas tentando imaginar quem seria àquela hora, e antes de chegar ao último degrau vi a cara sorridente do Henrique Gargalhão entre a grade, escancarando os dentes e cumprimentando naquele jeito livre dele de ser, com uma cuia pendurada no pescoço por um cadarço de sapato, sei lá.
-Felicidades! Felicidades! Como vai vossa senhoria?
-Putz! Fala Garga, que bons ventos o trazem?
-Hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã!
Depois de dar essa risada gostosa, ele foi entrando para tomar uma água:
-Água geladinha é muito bom pra forrar o estômago, mas quando a gente está com o bucho forrado, né companheiro? Não tem uma farinha aí pro seu amigo fazer um chibé aqui não? Perguntou ele botando mais um pouco d'água na cuia.
-Deixa de ser palhaço, rapá. Acabei de esquentar o feijão, frita um ovo, janta aí.
-Pô, eu não como carne nem ovo que é só hormônio e esse feijão tem porco! Não tens outra coisa aí?
-Meu velho, então pega essa vasilha aí do teu lado e se quiser enfia farinha até pelo rabo, depois tu empurras com a água dessa cuia.
-Hã hã hã hã hã hã hã hã hã! Mas é um cômico esse meu amigo! Deixa que eu como o feijão então, não tem problema...
-Não tem mesmo?
-Fica despreocupado! E deixa que eu como direto da panela que é pra não sujar muita louça pra ti lavar!
-Ah, muito obrigado!
Depois dele tentar matar uma fome de três dias fui subir e ouvir meu programa, além do que não via a hora de dar um gole na cachaça e me esticar na rede pra relaxar:
-Agora sim, finalmente posso sossegar com uma biritinha.
-Ôpa, companheiro! Essa cachaça é daquelas de Abaeté? Olha que não estou nem bebendo mas aceito um gole!
-Pois é, eu ia tomar desse copo e perguntar se tu não quereres também uma dose e...
-Pô, valeu companheiro!
Disse isso e com uma velocidade incrível arrebatou o copo da minha mão, matou o conteúdo numa só talagada, fez careta e ainda assoprou o bafo maravilhoso na minha cara, finalizando com um arroto gostoso de feijão e ovo.
Nesse momento começaram a cair no telhado os primeiros pingos de uma chuva que pelo visto ia durar a noite toda:
-Mas olha só que sorte, companheiro! Vai cair essa chuva mas eu vou poder dormir aqui na tua casa enquanto a gente toma essa cachaça! Hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã hã!!!
Eu só disse uma coisa:
-Levanta da rede.
-Qual é, companheiro, deixa eu deitar aqui! Não me acostumo a dormir em cama, e olha que eu tento bastante!
-Levanta agora...
Dei pra ele um guarda-chuva, uma capa, uma blusa seca numa sacola e disse:
-Cai fora.
-Mas tá chovendo muito!
-Então torce pra que quando passares por este portão ela comece a afinar...
E assim que meu chapa Henrique Gargalhão pôs os dois pés na rua, a chuva ficou dez vezes mais forte.
É assim mesmo, os chatos tem a capacidade de aparecer nos momentos mais inoportunos possíveis. Pode?
ResponderExcluirÉ só pode ser coisa de chato, amigos chatos, quem não os tem atire a primeira pedra.
Ótimo conto. Parabéns!
Vou te dizer, meu chapa. O cara com um amigo dessa qualidade... Não precisa de inimigo.
ResponderExcluirMuito bom! Abraços!