Disse isso para si mesmo em voz alta. Estivera nos últimos tempos pensando no rumo que as coisas haviam tomado. Dez anos passaram, mas parecia que tudo o que acontecera tinha sido exatamente no dia anterior, como se após todo esse tempo ele estivesse apenas dormindo e só agora ao olhar em volta se desse conta e começasse a acordar.
Tinha em cima da cômoda uma carteira de cigarros amassada, pegou-a e viu que dentro dela os cigarros já tinham mofado. Ainda guardava cigarros em casa, embora tivesse parado de fumar, mas naquele momento a vontade retornara. Talvez fosse assim pelo resto de sua vida, a cada vez que o nervosismo viesse, junto retornaria aquela vontade de fumar, que na verdade já não era tão grande assim que o fizesse tragar um cigarro mofado.
Pegou a garrafa de vodka ao lado da cama e tomou um grande gole, enchendo bem a boca antes de botar o líquido para dentro. Odiava vodka, o gosto dava vontade de vomitar, parecia que estava bebendo perfume barato, mas era o tipo de álcool que se conservava por mais tempo, outro tipo de bebida ficava simplesmente intragável de um dia pro outro, ainda mais para quem tinha, primeiro por preguiça e depois por hábito, o costume de beber direto na boca da garrafa.
-Cara, ainda são três da tarde e já estás tomando esta porcaria?
O amigo estava de pé ao lado dele, e agora olhava como se estivesse com pena, mas logo em seguida mudou de expressão e deu uma risada, depois continuou:
-Desculpa cara, mas se eu bebesse como tu, acho que não tinha mais fígado!
Ele não se importou com o comentário imbecil, aliás parecia agora que tudo o que fizera durante todo aquele tempo fora cercar-se de imbecis. Pensou em tomar mais um gole, mas o primeiro ainda não havia sentado direito. E exatamente nesse instante teve um pensamento tão forte que afastou todos os outros, e fez com que pegasse um dos cigarros mofados e pusesse no canto da boca, fazendo um gesto para que o outro lhe passasse os fósforos de cima da mesa:
-Talvez eu não tenha mais fígado mesmo. Nem coração, cérebro ou pulmões. Talvez meu corpo esteja vazio e por dentro desta casca só exista o que existia cem anos atrás e que vai existir daqui a um milhão! Ou seja, nada...
Talvez até saibam, mas o ignorem exercitando, em seu ver, uma rebeldia imbecil que os mata dia-apos-dia... alcool e cigarro! Até quando os homens se deixaram dominar por prazeres fúteis cujo fim é sofrimento e miséria?
ResponderExcluir