Depois dos parabéns, do bolo que a mãe dela fez, dos vizinhos que pelas costas xingavam a gente dos piores nomes do mundo, mas que tinham vindo comer arroz-com-galinha, escutando "As Dez Músicas Mais Escrotas do Camelô da Esquina" ou "As Dez Porcarias Mais Executadas nas Rádios Atualmente" que eu botei de sacanagem no som da sala; depois de agradecer mais uma vez a gentileza de D. Dica ter aberto a casa para fazer aquela festa, consegui finalmente um momento a sós com a Marcela.
Na verdade estava meio que preocupado com algo que desde cedo ela queria me dizer, provavelmente terminar de uma vez com aquele relacionamento sem sentido :
-Tudo que eu te peço é sinceridade e você vem mentir pra mim!
-Eu? É que...
Dizer o quê? Eu mesmo não sei. Queria contar a verdade, que ela ficasse comigo pois finalmente os pais dela tinham aceitado o namoro; que eu não tinha ficado com mais ninguém nos últimos meses, pelo menos depois da última que ela descobrira; tinha parado de fumar e de beber muito, o que reduzira a estatísca de merdas daquele ano a quase zero.
Que é difícil ter tempo de encontrá-la para sairmos, mas que ficasse tranquila, pois eu batalhava no que fosse possível para melhorar.
Que não existe idade pra entender o que verdadeiramente importa, porque tem gente que passa uma vida longa e mesmo assim nem chega perto.
Mas que se mesmo assim no final tudo terminasse numa grande cagada, pelo menos ela não teria restringido tanto o próprio pensamento a ponto de não ficar com alguém devido preconceitos estereotipados, duma gente achando que porque botou um pregador no nariz se livrou da merda onde vive, pois não sente mais o fedor e agora respira pela boca, que também cheira mal.
Enfim, eu queria dizer tanta coisa quanto permitissem a educação e a sinceridade, mas não tinha nem uma coisa nem outra, e para não perder de vez a mulher por quem nutria tais sentimentos, menti:
-Sabe o que é, provavelmente foi engano...
-Mas seu cara-de-pau, se ela escreveu o teu nome! Tu não vais me explicar que mensagem é essa no teu celular?
-Pensando bem, acho que é uma conhecida que se lembrou do meu aniversário querendo dar os parabéns pra mim...
-Eu sei o que ela quer dar mandando essa foto pra ti, seu safado!
-Marcela, eu juro que não sei por quê ela fez isso...
-Como não sabe? Tu sabes muito bem sim, que eu sei que tu já pegou essa vagabunda, pois ela gosta de dar pra qualquer palerma!
-Ôpa, não falas assim que ofendes a classe...
-Ora, vai-te à merda!
Ela correu e foi se trancar no quarto, enquanto eu amaldiçoava a infeliz idéia de não ter apagado aquela foto do celular, e ia me despedindo de D. Dica agradecendo mais uma vez a hospitalidade. Mas na hora em que estava indo embora, botando o pé esquerdo na calçada, ainda deu pra escutar um babaca qualquer que falou alto de propósito:
-Eu não te disse? Pau que nasce torto morre torto...
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