terça-feira, 3 de abril de 2012

Ela e os Outros




        Fechou os olhos e dormiu.
        Sonhou com um príncipe encantado, que viria acordá-la num beijo.
        Nem precisava sonhar, tinha uma vida maravilhosa.
        Era uma criatura jovem e bonita. Dormia entre almofadas, vivia num mundo perfumado.
        Ouviu numa letra de música que deveria ficar apaixonada, então começou a dizer que amava as pessoas, embora elas não entendessem o alcance deste amor:
        -Te amo...
        -Não é apenas felicidade o que estás sentindo?
        -Altruísta ou egoísta?
        Sem ter mais palavras que utilizar, seu pensamento procurava opôr termos obviamente sinônimos, embora não se desse conta disso.
        Ou quem sabe ela se perguntasse:
        "O que está havendo comigo?"
        Pois agora lembrava do rapaz de quem gostou muito e fugiu com outra.
        Lembrou da amiga da onça, que foi capaz daquela puta traição: ficar com o seu namorado!
        Do relacionamento com o pai: distante e incompreensível; ela por conta disso foi estudar espanhol.
        E da mãe, com quem por sorte se dava bem.
        E do irmão pirralho, entrando na puberdade, de quem gostava pacas.
        Do amigo do peito que morreu tragicamente.
        As lágrimas que corriam-lhe dos olhos faziam cintilar na fraca luz amarelada aquela pele macia, o rosto harmonioso, a cor saudável, a flor da idade.
As tábuas de uma casa de ripas que não deixavam o vento e a chuva passar.
E ao invés da tristeza, uma extrema felicidade: inexplicável e simples, de quem vivia apenas para sentir o vento passar pelo seu corpo, e de alguma forma agradecia sem saber.

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