Depois de muito lutar, tinha o corpo destruído: a costela quebrada perfuraria-lhe o pulmão, terminando por matá-lo.
Até então, ele não era mais capaz de perceber o próprio sofrimento.
Aos poucos as coisas foram mudando: primeiro os legumes a as carnes estragaram; depois até a comida recém-feita tinha cheiro, e consequentemente o gosto, de coisa podre.
Mas não havia comida estragada por perto: apenas o olfato falhava, o paladar abandonava.
Perdia a capacidade de sentir o gosto do que tinha gosto bom, ao mesmo tempo em que esquecia o sabor de tudo aquilo que amaou e no que acreditava.
Assim sua vida ia-se tornando apenas amargor.
O pai tinha um ditado: viver com porcos acostuma o fedor.
Então tinha que fazer um esforço redobrado tentando não virar porco.
Mas trabalhava como cozinheiro, e sem o paladar esforçava-se por recriar o sabor do que tanto gostava apenas de memória, pois fisicamente era agora incapaz de perceber o sabor de cada prato: a nuance de cada ingrediente contribuindo para o efeito de conjunto tornara-se conflitante ao invés de inebriante.
Podia olhar, tocar, sentir, mas faltava um sentido superior, justamente do qual dependiam todos os outros.
Mesmo assim continuou cozinhando, embora nada mais fizesse sentido.
De suas mãos saiam pratos maravilhosos como na melhor lembrança de nossas vidas fugazes: daquilo que um dia aconteceu e sabe-se lá por que sumiu de nossa vida.
Embora não tivesse a mínima esperança de um dia conseguir reproduzir novamente aquele aroma, aquela cor, aquela textura, continuava tentando.
Como alguém apaixonado que insistia, pois insistiu a vida toda, mas acabou traído pelo próprio olfato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário