Contos em geral, aproveitando a oportunidade da vida dada por Deus, o que gera enormes dúvidas quanto ao destino de cada um frente essa coisa chamada morte. Como um exercício de estar no mundo e de crescimento espiritual, aprendizado e diversão, contribuindo com a construção de uma pessoa melhor consigo mesma e com os outros.
sábado, 19 de maio de 2012
Dos Doidos
Cheguei num lugar onde tinham umas dez pessoas, cada uma com um macête, desfibrando a raiz.
Tava meio de porre, meu brother sacou minha condição, deu logo o papo:
-Falei pra ti que não era pra beber hoje! Se fores tomar o chá vais vomitar, passar mal.
-Quê isso, gente boa! Deixa eu sentar ali no cantinho.
-Bem, tu és quem sabe...
Depois de fazer minha oração, pedindo para não vomitar as tripas do corpo intoxicado, tomei meio copo do mel do chá, "esse é apurado!". Sentei na lona de caminhão, com um pedaço de pau na mão e comecei a bater a raiz. As três únicas mulheres do lugar nem notaram minha presença, continuavam a tirar de um saco de sarrapilheira socado até a boca as folhas que raspavam e que deveriam entrar na preparação do negócio sagrado.
A raiz era dura feito couro e pedras. A gente batia com força e dela escorria um líquido vermelho, as fibras soltavam-se ficando igual casca de coco seco molhado na tinta, espalhando-se o sumo a cada porrada naquele plástico azul, onde a gente estava sentado.
Rolava uma música gravada, inquieta mas feliz: era o hinário e todo mundo sabia de cor; um som tão bonito que dava vontade de aprender: dizia a sabedoria na voz dos anjos, ensinando o certo e repreendendo o errado.
Prestava maior atenção, tanta que de vez em quando começava a bater nos dedos: em dado momento esquecia até de escutar o ambiente, parecia que não estava ali.
A cada meia hora o ânimo caía, então serviam outra dose, eu pedia duas. E continuava macetando a raiz dura feito aço até o último fiapo, até sair sangue debaixo das unhas.
A música continuava cada vez mais linda, como se estivessem os objetos cantando. Assim que terminou, um senhor levantou, pegou seu violão e começou a tocar e cantar a mesma coisa que a gente tinha acabado de escutar, só que agora mais bonito e melhor do que antes:
"Sei que não existe só o agora neste mundo/ mas quem ainda não sabe vai ter que aprender/ Tudo que é do mundo é por demais muito obscuro/ mas o futuro ainda está pra acontecer/ Aquele que tem fé é quem percebe quando basta/ Pois quando o dia acaba se não se pode mais fazer/ Entenda o sofrimento pois se torna aprendizagem/ Espere pois um dia também vais entender/ E no final todos que vivem necessitam da verdade/ A verdade que será e do que irá acontecer/ E no ano iluminado em que você voltar pra casa/ A verdade brilhará e nos trará também você."
E quando dei por mim, tinha acabado a cantoria e o senhor do violão tinha ido embora. As raízes estavam todas desfibradas e batidas; as folhas das mulheres tinham sido bem raspadas, a panela enorme fervilhava sobre a brasa, já não havia mais nada pra eu fazer ali.
Sobrou só a garrafa do mel apurado, de onde tirei uma golada generosa. Depois fui andar na praia pra espairecer a mente, só que nesse momento me veio tanta imagem, sob efeito daquilo que eu estava, que nunca mais vou me esquecer.
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