-Pô, negão, tá pedindo silêncio por quê?
-Shhhh, caralho, tu és surdo?
Passou a viatura, eu não tinha percebido, depois que dobrou a esquina ele me fez levantar:
-Agora confias em mim? Me dá o dinheiro e espera aqui.
Dei o dinheiro, fingindo que esperava. Ele se afastou e comecei a seguir de longe o figura.
Nesse tempo ainda andava com minha faca, qualquer coisa varava ele ou qualquer outro maluco, pois nego tinha que ser dez vezes pior que eu para me dar o conto.
Melhor conhecer essa galera do que passar batido, já que maluco quando tem uma pistola se acha o dono do mundo. Mostrei a faca:
-Vais guardar essa porra senão eu tomo ela de ti, estás doido?
Olhei pra cara dele, não estava para brincadeira. Cheio de cicatrizes, dava pra ver que o vagabundo tinha sobrevivido a tudo quanto é coisa.
Ele falou que agente tinha levado um "conto", então tivemos que armar uma "casinha".
Assim é a vida: se maluco te fode, tu fodes o cara de volta.
Tipo lei de mercado.
Queria fosse só pilantrice, mas mistura aí a mesquinhez e cara-de-pau de quem não tem nada a perder, porque caboco safado é foda!
Bem, tirando as safadezas e etecétera, a gente vivia em relativa harmonia, até o dia em que rolou a treta:
-Passate mesmo quantos anos na cadeia?
-O tempo que deverias ficar lá para aprender o que é respeito.
Mandei uma piada(?), para quebrar o gelo:
-Putz, mordeste grade esses anos todos e ninguém comeu o teu cú?
Tinha sangue no olho do infeliz, mas no fundo era uma boa pessoa.
Quando o juiz deu a sentença, quase vinte anos de reclusão, ele nem piscou, achou que merecia.
Eu podia ter dito que foram só duas facadinhas, uma no peito e outra na garganta, mesmo à sangue-frio, num verme que valia menos que um cuspe. A gente passou uma semana de tocaia, dia e noite rondando a casa dele, tudo premeditado, até o dia em que o Negão viu ele saindo sozinho da garagem, distraído, achando graça no celular, então percebi que meu brother tinha razão: o cara era um traficante de merda, puta safado, deixando todo mundo fodido, depois pagava uma de patrão, chupando a pica dos viadinhos que enrabavam ele no motel.
Achei foi graça vendo o cara estrebuchando no chão, com um talho enorme na garganta, pedindo pra não morrer. O som saía engrolado, misturado com o barulho do jorro de sangue da ferida aberta com a facada. Depois saí fora, pouco antes da polícia chegar:
-Te devo muito, Negão, livraste minha cara.
-Velho, te falei, não me arrependo. Já-já saio daqui, mas se pudesse traria aquele filhadaputa de volta à vida, só que não sou Jesus e infelizmente ele continua bem morto mesmo.
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