Desidério entra em cena.
Sob uma luz amarela, caminha até chegar num banco de praça onde senta-se e cruza as pernas:
-Marquei aqui com o João, então deixa ver que horas são...
Dez para meia-noite.
Passa gente de todo tipo, dum lado pro outro, inclusive um vagabundo:
-Êh, chegado, descole um cigarro... Um gole também... Falou.
Passa um conhecido:
-Caraca, cara! Mais de meia-noite sentado aí, tipo assim, pô, arruma pro seu chegado uma intéra duma parada aí... E um gole também... E um cigarro desses... Tipo assim, valeu aí...
Passa uma van lotada, um ônibus vazio, notívagos, mendigos, drogados, depois surge do nada uma banda de rock e começa ajuntar gente em volta dum palco:
-Ei, figura, saca só essa banda, tu curtes?
-Não faço a mínima idéia de quem seja. Estou apenas esperando, marquei aqui com o João, ele ainda não chegou e...
-Saca só essa música, é a "Sanguinolento Catarro Metabólico", dos "Filhas-Da-Puta do Rock":
"Tu queres dar um tiro,
Depois quer se matar
Tu fazes só cagada
Depois tem que limpar
Tu vives nessa merda
Depois queres cheirar
Teus dentes tão caindo
Teu peito tá vazio
Se gostas dessa vida
Vais pra fruta-que-caiu (3x)"
Tocaram outras bandas depois dessa, daí as pessoas começaram a dispersar, um ou outro bêbado arrumando confusão ou vomitando, até desmontarem o palco e aquelas pessoas tomarem rumos desconhecidos.
Exceto Desidério, continuando a aguardar no mesmo banco a chegada de João, quase cinco da manhã, sem viva alma na rua:
-Bem, certamente este atraso é por algum motivo, provavelmente João irá ligar ou mandar uma mensagem dizendo se vem ou não. Então o melhor a fazer é esperar.
Assim continuou sentado, acendeu outro cigarro, tomou outro gole.
Até que choveu.
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