domingo, 31 de julho de 2011

A Casa de Cobal

      Tinha Cobal um único filho, dezesseis anos incompletos . Era alto e forte e todos viam nele a beleza que atavessava marcante a estirpe da família. Os ombros largos como o sorriso, os olhos escuros e bondosos. "Quem sai aos seus não degenera"; "Vinho de boa cepa"; era o tipo de comentários com que costumavam elogiar Cobal por sua bela obra.
Numa daquelas tardes tranquilas na sede da fazenda, em que a família se reunia na varanda para tomar a fresca da tarde, enquanto observavam os vaqueiros conduzindo de volta o gado para o curral, veio vindo à galope um dos peões, que se separou dos outros, atravessou o portão e veio ter com Cobal:
-Tarde, sinhô, uma palavrinha só.  Vei vindo aí o Velho Oligário falar com o sinhô,  eu quis falar para ele vim na garupa, mas ele prefere vir de pés.
-E que que o diabo desse velho quer comigo, Procópio?
-Sei não sinhô, que eu perguntei dele e ele não quis dizer nada, só vai falar mesmo é com o sinhô.
Então os dois se olharam e ambos souberam o que se passava na cabeça um do outro. O Velho Oligário já beirava a casa dos noventa, mas morava sozinho, bem afastado da sede da fazenda. Diziam que era vidente, bruxo, transformava-se em bicho, conversava com os mortos, punha quebranto nas pessoas, além de outras mandingas de que era acusado.
Pois vinha o velho pela estrada, e enquanto atravessava a porteira, começaram a  cair os primeiros pingos de uma chuva que se armara em questão de minutos. O velho tentou caminhar o lance de trezentos metros que o separavam da sede, com a chuva e o vento ficando muito fortes, enquanto os que não tinham ido proteger suas coisas fitavam-lhe pálidos, com o temor estampado nas faces. Inclusive o patriarca Cobal.
Até que este conseguiu reagir e mandou  dois dos moleques irem lá depressa amparar o desconjurado, que mais capengando que andando com sua bengala não chegaria a tempo de se proteger.
Sentaram-no numa cadeira, deram-lhe um copo d'água para que se refizesse do esforço, até que ele começasse a falar, e enquanto todos iam escutando, à medida que ele falava, iam perdendo o sangue das faces, segurando a respiração, até que Oligário terminou e se calou. Ante a tragétia anunciada algumas mulheres começariam a chorar.
O que Oligário lhes contou foram suas últimas palavras. O motivo de seu dom.
    Após isso, partiu o velho de uma vez para encontrar pessoalmente os mortos com quem costumava conversar. Cobal assistiu toda cena impassível, não tinha dito nem uma palavra durante todo o tempo, até que conseguiu murmurar, numa voz sumida que lhe vinha do fundo da alma:
-Vão correndo atrás do Deco... Disse isso no momento em que a chuva caía de vez tal qual um dilúvio, com uma pancada seca que estremeceu a todos, fazendo resoar o telhado.
                                                                      ...
Deco ainda não tinha voltado do campo com seu cavalo Brunello , e o escurecer chegara já rapidamente, trazido pelas nuvens de chumbo. Cobal gritou que trouxessem depressa sua montaria, ia ele mesmo atrás do próprio filho . Gritava com esforço em meio ao aguaceiro, com  o coração a sair pela goela, tal como Oligário profetizara, e mal traspassou a porteira divisou três vultos a cavalo que subiam a estrada, muito lentamente.
Um deles trazia o cavalo andando ao lado, segurado pela rédia, enquanto com a outra mão via-se que equilibrava uma espécie de fardo em cima do animal. Cobal reconheceu pela forma de andar que era o caseiro Procópio, mas não pôde divisar o que ele levava em cima do cavalo ao invés de montá-lo. Enquanto isso, tentava afastar da mente as últimas palavras que escutara da boca do velho:
"... e da mesma forma que começou com seu tataravô, da primeira vez que ele pisou aqui nesta terra e ninguém o conhecia, hoje se acaba o clã, com o último e mais jovem membro dos Cobal, que terá sua vida ceifada assim que despencar esta tormenta..."
                                                                        ...
Deco quando vinha da cidade passar férias todos os anos; adorava montar em seu cavalo  e passear pela enorme fazenda que seu avô comprara, e que herdaria de seu pai. Gostava de ver o tabalho no campo, os peões que tangiam o gado para o pasto de manhã cedo, e o levavam de volta para o curral de tardinha.    
    Aquele dia tinha saído logo depois do almoço para passear com seu rosilho, embora sob as críticas da mãe dizendo que não fazia bem fazer esforço depois de comer, tinha que esperar a comida sentar direito, fazer a digestão:
-Que isso mãe, tá pensando que eu sou molenga igual a mana? Eu estou indo é agora lá no lageado tomar banho. Diz que depois ela se quiser pode vir também. mas eu duvido que essa preguiçosa vá!
-Meu filho, toma cuidado...
-Êh, mãe não se preocupa! Pede a benção pro pai também que eu já vou!
-Deus te abençoe, meu filho...
Enquanto se distanciava da sede, sentia o vento passear entre seus cabelos; a respiração e a energia do animal que tinha sob seu controle faziam-no sentir-se poderoso.
     E por tudo aquilo Decano sentiu uma felicidade incrível. Quis agradecer alguém ou a alguma coisa tão belo sentimento, então dedicou uma oração sincera ao Deus de Todos os Homens.
Na volta para casa, devido à chuva que armara muito rápido e já começava quase a cair, Deco decidiu cortar caminho pelo curral do reprodutor. E ninguém soube o porquê  naquele dia, o touro de tantos anos cobrindo as vacas do patriarca Cobal, sem motivo algum, resolveu atacar o primogênito Deco, sendo que nunca antes avançara em ninguém, pegando-o desprevenido e derrubando-o do cavalo, cravando os chifres em seu corpo e pisoteando-o furiosamente em seguida, deixando-o apenas quando os três empregados vinham tentar salvá-lo, mas já sem vida, com o corpo totalmente desfigurado.

6 comentários:

  1. É, escritor!... Aqui tens agora mais uma leitora. Que belo! Muito bem escrito e com o toque certo de características regionais.
    O meu carinho e bom domingo a você também.

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  2. Olá augusto muito obrigada pela dica de leitura lá no meu blog eulleio !!!
    e parabéns pelo blog ^^
    bom começo de semana

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  3. Pow... Brigadão Augusto!!!!
    Meio dificil...esse prefeito eh totaly crazy e que nem o exterminador do futuro... sempre volta!!!!
    Mas em breve eu vou tá fazendo a promoção "Então Morra" e vc está desde já convidado a participar!!
    Valeu pela dica, tenho certeza que vou me divertir muito!

    abraços

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  4. Bem situado o seu conto, meu amigo. Porém, só uma resalva. (...) o touro de tantos anos cobrindo as éguas...(?)

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  5. HaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHa!!!! Ribeiro Filho! Meus parabéns, cara, nem me toquei, mas li de novo e você tem razão! Já imaginou um touro cobrir uma égua?!!! Mas já corrigi, botei 'vacas' no lugar, valeu pelo toque, não sei onde eu tava com a cabeça!!! Continue lendo e eu prometo que nenhum touro vai mais cobrir éguas nas estórias daqui por diante!! HaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHa!!!!

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  6. Gostei do conto, você escreve de uma maneira que aguça o leitor a ler até o final, mesmo que o texto seja grande.

    Parabéns

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