quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Um Conto Mendigo

-Aonde tu vais levando este mendigo?
-Me pediram pra fazer alguma coisa com ele...
Fui levando pelo braço o mendigo que tinha acabado de catar debaixo de uma marquise, enquanto ele pedia esmolas com sua voz rouca e um chapéu de pano surrado, mostrando a perna envolta num esparadrapo sebento manchado de sangue, e cuja existência todos preferiam ignorar, o que é realmente difícil, a não ser que você não tenha nariz.
Era um mendigo dócil, não ofereceu resistência enquanto ia sendo arrastado capengando pelo meio da praça, onde inicialmente pensei em levá-lo, até que num dado momento começou a gritar, no que sentei-lhe na cara três tapões com a mão bem aberta, para que ele ficasse quietinho e continuasse me companhando sem mais milongas.
Joguei-o de encontro à  grade do Memorial da República, onde estourou o nariz e ficou com um corte na testa, sentado no chão, fungando e se lamentando. Ainda tentou reclamar alguma coisa de mim, mais aí bastou dar umas bicudas para que ele entendesse que naquele instante eu estava ocupado, tentando resolver o futuro dele, e não tinha tempo a perder batendo papo ou explicando meus atos prum vagabundo fedegoso e perebento.
Resolvi ligar pro meu velho amigo Jairo, que doutras vezes sempre quebrava meus galhos, com suas tiradas de espírito e frases de efeito. Principalmente quando saíamos para encher a cara por aí, sem ter mais o que fazer além de pegar o ônibus e ficar rodando a cidade toda com uma garrafa de cachaça na mão. No final descíamos sem pagar, ameaçando o motorista e o cobrador, ele que andava com um canivete retrátil que também virava saca-rolhas:
-Pô Jairo, estou precisando da tua ajuda, tu podes vir aqui pro centro?
-Cara, não vai dar, tô ocupado com uma gata em casa, o que foi?
-Rapaz, sabes como eu dou um jeito num porra dum mendigo fedorento?
-Ha ha ha ha! Já sei até quem foi que te mandou esse brinde! Esquenta não, irmão, vou dizer o que tu vais fazer! Presta atenção...
O Jairo é muito útil em situações como essa que envolvam cagadas, biritadas, calotes e pilantragens em geral, passar o papo nas minas, fazer onda, responder as paradas, tocar fogo em mendigos, espancar bichas com lâmpadas fluorescentes, jogar ovos podres em putas e travecos, meter o bicho em playboys, às vezes tocar o terror na madruga no interior, fazer arrastão na sáida do Estádio Olímpico, além de sequestro-relâmpago nos fins-de-semana, quando a gente depois desce baldes e baldes de gelada pras gatas nas Festas de Aparelhagem.
Estava passando um senhor que devia ter seus quarenta ou cinquenta anos, trocando pernas, com o bucho inchado quase rasgando a camisa de algodão, manchado de alguma coisa que escorrera da boca mole desdentada e pingara por cima da banha; a calça jeans suja e rasgada no joelho, segurada pela pochete mais encardida que eu já havia visto, de cujos bolsos despontava uma escova de dentes esfiapada e um pentinho de catar piolhos.
Além de que exalava álcool como se ao invés de tomado ele tivesse banhado na cachaça:
-Meu senhor, faz favor? Chega aí! Vigia aqui esse mendigo enquanto eu vou ali rápido e já volto?
-E se ele tentar fugir, posso dar umas porradas nele?
-Claro! E se ele começar a resmungar ou quiser se levantar, é só bicudar nas costelas!
-Então na volta intéra uma grana pra outra buchudinha dessas daqui.
-Tá na mão, Negócio fechado! Até daqui à pouco, meu chapa...
E outra vez, graças aos bons conselhos do perspicaz amigo Jairo, me livrei de mais uma boa, e passei adiante a responsabilidade de fazer algo com aquele mendigo, pois não sei realmente que outra coisa pode ser feita deles que não envolva fósforos e um galão de gasolina.

2 comentários:

  1. No início eu juro que eu achei que o personagem principal ia ajudar o mendigo... seus contos sempre chegam num final inesperado para mim ^^

    abraços!

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  2. Caramba, é incrível pensar que na verdade existem pessoas por aí que tem esta mentalidade.Prova disso são os noticiários televisivos que nos retratam as desgraças do dia a dia.

    Você realmente tem o dom de escrever, quem sabe um dia eu chego lá.

    Abraço

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