sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pombas

O dia estava muito claro e o céu de um azul completamente sem nuvens, o que costuma despertar na maioria das pessoas uma  vontade de sair para a rua, de passear por aí ao lado de alguém, ou simplesmente andar sozinho. Principalmente se este dia, pra grande felicidade de José Eulálio, coincidir com um feriado, quando portanto não precisava trabalhar.
Saiu também pra rua, ligou e ficou de encontrar uma pessoa, e essa pessoa era como ele, gostava muito de tomar birita, pois logo sugeriu de encontrarem-se num bar.
  - Pô, mas sabe o que é, Alfredo? Eu estou sem capital pra tomar cerveja, por que a gente não aproveita hoje e vai tomar uma vodka lá na praça?
- Tá na mão! Então a gente se encontra lá daqui a uma hora!
- Falou!
Meia hora depois já estava José Eulálio esperando, sentado num banco, tomando direto da boca da garrafa uma meiota ouro, enquanto o amigo não chegava, quando uma garota sentou-se ao seu lado:
-Oi!
-Oi?
-Lembra de mim?
-Sinceramente? Não.
-Paloma, a gente fez junto o primeiro ano, andava eu e a Júlia...
-Claro, claro.
Era a amiga que andava sempre junto da menina que ele era afins, mas estava bem diferente, toda vestida de preto, o cabelo preso numa trança comprida e umas olheiras desenhadas a lápis.
-Estou esperando um amigo, você bebe cachaça? Aceita um cigarro?
-Eu não fumo, mas quero um gole. Estás sozinho?
-Como disse, estou esperando um amigo, o Alfredo, não vais te lembrar mas ele também estudou lá com a gente.
-Eu perguntei se estás sozinho ou se estás ficando com alguém, não quero saber do teu amigo.
Paloma deu uma risada, a mesma risada da época do colégio, mostrando todos os dentes e a gengiva, jogando a cabeça pra trás e terminando com umas fungadas. Era estranho, mas nos últimos tempos ele andava meio que vivendo no passado, e ao escutar aquela mulher ele teve a mesma sensação esquisita de antigamente:
-E a Júlia?
-Teve um filho e casou. Faz um tempão que não falo com aquela vagabunda.
-Como?
-Tu não sabias? Era uma vagabunda mesmo, te roubou de mim!
-O que?
-Me dá mais um gole aí. Tu não achas que agora eu estou muito mais gostosa?
-Hã?
-Sabia que ela me contava toda vez que vocês transavam, só pra eu ficar com inveja?
-Sério?
-Ha ha ha ha ha ha ha hã hã hã hããããããããã....
Deu outra daquelas risadas assustadoras, bem na hora em que Alfredo vinha chegando, com uma garrafa de vodka numa mão e uma carteira de derby na outra, abrindo os braços na maior alegria:
-Aí José Eulálio! Não vais apresentar a gata?
-Paloma esse é o Alfredo, Alfredo, Paloma, lembra dela? Agora cês me dão licença um instantinho que eu vou bem ali na esquina tirar água do joelho.
Deixou os dois conversando, dobrou a esquina e saiu correndo, espantando os pombos que bicavam restos de vômito por ali.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um Conto Bêbado

  O dente enfim parou de doer. Depois de tomar sozinho uma garrafa, até uma hérnia pararia de doer, quanto mais um dente cariado. A visão já estava bem borrada, os braços dificilmente obedeceriam, e se tentasse se levantar certamente se esborracharia no chão.
A cabeça não tinha mais nada, apenas uma substância informe, impregnada pelo álcool, sangue e sujeira, entremeada de pensamentos liquefeitos. Tontura. Ânsia de vômito. A baba do engulho descendo pelo canto da boca e melando a camisa manchada. Todo verme morre e se conserva no álcool, mas aquele estava vivo, e se destruía.
Seus companheiros da antiga, quando o encontravam na rua, evitavam-no. Quando os surtos amiudaram-se, foi o prenúncio para que até os mais chegados o abandonassem, até que restasse apenas um, que um dia finalmente foi embora.
...
-Mas cadê a lata que tava aqui? Agora cadê o pilo? Ah, então tá bom.
O cubículo tinha um bico de luz amarelada no teto, suspenso por um fio elétrico torcido remendado com fita isolante. O chão de madeira estava cheio de baganas e palitos queimados e restos de papel e pedacinhos de plástico e mais todo tipo de lixo, e num canto tinha um colchonete encardido, onde estava jogada uma criatura embriagada.
À direita, um velho ou não, baixinho, estava batendo o isqueiro e tentando acertar o cachimbo, chupando os beiços, com a cara toda sebenta e torcida, os dedos vermelhos pelo esforço e o olhar nervoso de quem já tinha fumado muitas paradas naquela noite.
No lado esquerdo dois 157, cada um com sua cabeça de dez e seu cachimbo, já esquentando a droga na colher que tinham trazido, mas todo o tempo interrompendo o trabalho para olhar para a entrada do barraco.
A porta se abre e mais um elemento, menos esculhambado que os outros mas também bêbado, entra e se joga do lado do baixinho, fazendo barulho e levando uma encarada de um dos 157, que cutuca e fala alguma coisa pro outro.
Ninguém tem tempo de fazer nada quando a polícia entra e leva aquela escória, deixando apenas o verme do colchonete, podre demais para ser tocado.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Um Conto Mendigo

-Aonde tu vais levando este mendigo?
-Me pediram pra fazer alguma coisa com ele...
Fui levando pelo braço o mendigo que tinha acabado de catar debaixo de uma marquise, enquanto ele pedia esmolas com sua voz rouca e um chapéu de pano surrado, mostrando a perna envolta num esparadrapo sebento manchado de sangue, e cuja existência todos preferiam ignorar, o que é realmente difícil, a não ser que você não tenha nariz.
Era um mendigo dócil, não ofereceu resistência enquanto ia sendo arrastado capengando pelo meio da praça, onde inicialmente pensei em levá-lo, até que num dado momento começou a gritar, no que sentei-lhe na cara três tapões com a mão bem aberta, para que ele ficasse quietinho e continuasse me companhando sem mais milongas.
Joguei-o de encontro à  grade do Memorial da República, onde estourou o nariz e ficou com um corte na testa, sentado no chão, fungando e se lamentando. Ainda tentou reclamar alguma coisa de mim, mais aí bastou dar umas bicudas para que ele entendesse que naquele instante eu estava ocupado, tentando resolver o futuro dele, e não tinha tempo a perder batendo papo ou explicando meus atos prum vagabundo fedegoso e perebento.
Resolvi ligar pro meu velho amigo Jairo, que doutras vezes sempre quebrava meus galhos, com suas tiradas de espírito e frases de efeito. Principalmente quando saíamos para encher a cara por aí, sem ter mais o que fazer além de pegar o ônibus e ficar rodando a cidade toda com uma garrafa de cachaça na mão. No final descíamos sem pagar, ameaçando o motorista e o cobrador, ele que andava com um canivete retrátil que também virava saca-rolhas:
-Pô Jairo, estou precisando da tua ajuda, tu podes vir aqui pro centro?
-Cara, não vai dar, tô ocupado com uma gata em casa, o que foi?
-Rapaz, sabes como eu dou um jeito num porra dum mendigo fedorento?
-Ha ha ha ha! Já sei até quem foi que te mandou esse brinde! Esquenta não, irmão, vou dizer o que tu vais fazer! Presta atenção...
O Jairo é muito útil em situações como essa que envolvam cagadas, biritadas, calotes e pilantragens em geral, passar o papo nas minas, fazer onda, responder as paradas, tocar fogo em mendigos, espancar bichas com lâmpadas fluorescentes, jogar ovos podres em putas e travecos, meter o bicho em playboys, às vezes tocar o terror na madruga no interior, fazer arrastão na sáida do Estádio Olímpico, além de sequestro-relâmpago nos fins-de-semana, quando a gente depois desce baldes e baldes de gelada pras gatas nas Festas de Aparelhagem.
Estava passando um senhor que devia ter seus quarenta ou cinquenta anos, trocando pernas, com o bucho inchado quase rasgando a camisa de algodão, manchado de alguma coisa que escorrera da boca mole desdentada e pingara por cima da banha; a calça jeans suja e rasgada no joelho, segurada pela pochete mais encardida que eu já havia visto, de cujos bolsos despontava uma escova de dentes esfiapada e um pentinho de catar piolhos.
Além de que exalava álcool como se ao invés de tomado ele tivesse banhado na cachaça:
-Meu senhor, faz favor? Chega aí! Vigia aqui esse mendigo enquanto eu vou ali rápido e já volto?
-E se ele tentar fugir, posso dar umas porradas nele?
-Claro! E se ele começar a resmungar ou quiser se levantar, é só bicudar nas costelas!
-Então na volta intéra uma grana pra outra buchudinha dessas daqui.
-Tá na mão, Negócio fechado! Até daqui à pouco, meu chapa...
E outra vez, graças aos bons conselhos do perspicaz amigo Jairo, me livrei de mais uma boa, e passei adiante a responsabilidade de fazer algo com aquele mendigo, pois não sei realmente que outra coisa pode ser feita deles que não envolva fósforos e um galão de gasolina.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Não É Crime Ser Chato

         Murilo era um cara muito chato. Desde pequeno, seus pais notaram este detalhe de sua personalidade, e foi enorme o esforço que fizeram para que perdesse a mania de torrar a paciência dos outros, infelizmente em vão.
Na escola os amiguinhos não suportavam sua presença, pois se metia em tudo embora não soubesse de nada, e nem estava disposto a aprender, justamente por achar que já sabia, e assim acabava fazendo as maiores merdas possíveis, sem querer ouvir os conselhos dos outros para poder viver melhor:
-Murilinho, não é desse jeito, tenta com esse daqui...
-Não, vai dar certo sim! Quer ver olha só professora!
-Buuuuuuuuummmmm!!!!
E tudo ia pelos ares, quebrava, sujava, trincava, manchava, desfazia, desconcertava, abria, fechava, enfim, sempre acontecia o contrário do esperado por ele, embora o resultado fosse previsível por qualquer um pouco menos teimoso.
Em casa não era diferente: quando completou dez anos, era impossível fazer até as refeiçoes ao lado dele, pois não parava de encher o saco:
-Não gosto de quiabo! Esse não é o meu copo! Separa as cebolas pra mim? Hoje não tem sobremesa? Não acredito que você fez isso comigo, mãe! Pai, dá dinheiro pra comprar um boneco dos Bananas de Pijamas? O gelo do meu refri derreteu, não quero mais! Tira desse jornal e pôe no cinco que vai começar o Chaves!
Felizmente, antes que decidissem expulsá-lo de casa, ele aos quinze anos fugiu (na verdade passou o dia inteiro bundeando por aí e esqueceu de avisar, pois era tão chato que fazia questão de que todos soubessem onde estava e o que fazia), no que seus pais aproveitaram e mudaram de cidade e depois de país, deixando para trás a casa desabitada, pois assim quem sabe ela caísse na cabeça dele.
Quando se viu sozinho, seu primeiro pensamento foi o quanto seus progenitores eram ingratos: pelo filho maravilhoso que ele era merecia ao menos um bilhete de despedida. Ao invés de entrar em desespero, achou bom não ter ninguém por perto para chateá-lo (?), pois para um chato que se preza, chatos são os outros, e decidiu viver a vida como desse.
O primeiro emprego foi relativamente fácil de arranjar, de tanto que encheu o saco do patrão, que o contratou unicamente para punir os outros empregados preguiçosos, que depois de uma semana não aguentavam e pediam para que ele fosse transferido de setor. Dessa forma, acabou conhecendo todos os departamentos da empresa em pouco tempo, avançando rapidamente em sua carreira, até que abriu o próprio negócio: um serviço de supervisores chatos para empresas com baixa produtividade.
E quando abriam vagas para novos chatos, eram tantos os que apareciam, que certo dia, quando a fila já dava duas voltas no quarteirão, o prédio não aguentou e caiu na cabeça dele.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nunca Mais Romance

        Toda vez que ele falava com ela, sentia-se bem. Ouvir sua voz era como tomar tranquilizantes ou fumar um baseado, tão calmo e feliz ficava nestes momentos. Gostava da sua presença, gostava do perfume que seu corpo exalava e que ele vez em quando sentia inesperadamente, como se ela houvesse acabado de passar por ele. Olhava então em volta, entre as pessoas que o cercavam, e não a encontrava.  Fechava os olhos e tentava recontituir mentalmente os seus traços e o seu gesto, como se assim pudesse tê-la novamente ali ao lado.
Logo quando se conheceram, tentava disfarçar sua felicidade para não espantá-la, e só ele sabia o quanto isso era difícil. O quanto era difícil estar com ela em qualquer lugar e não se comportar como um pateta na frente dos outros, pois o que queria mesmo era estar sozinho com ela e beijá-la sempre, correr a mão pelo seu corpo enquanto tirava sua roupa, pois tão doce quanto aquela boca era o corpo maravilhoso, a pele macia e suave ao toque, o gosto de coisa boa que deixava na boca, como fruta madura ou água fresca.
A convivência era a coisa mais fácil do mundo. Até quando irritavam um ao outro percebiam o quanto se gostavam, pois em questão de minutos, ainda com raiva talvez, buscavam desesperadamente o sexo um do outro, e parecia que a paixão os faria enlouquecer, e durante horas seguidas descobriam cada palmo do corpo um do outro.
Só que o tempo foi passando e as coisas começaram a ficar estranhas. Já não era possível se falarem todo dia, estudo, trabalho, cursos, essas coisas que fazem parte da vida de todo mundo, mas que nunca foi motivo que atrapalhasse seriamente o relacionamento de ninguém.
O problema logicamente só podia ser outro, mas isso nunca é possível de saber enquanto se está vivendo no meio do turbilhão, e a gente acaba atacando o problema pelo lado errado, o que em breve torna-se novo problema, que junto aos outros eles iam acumulando.
Podia ser o tempo em que já estavam juntos, mas aquela chama do começo rapidamente se apagava. Quando deram-se conta, notaram que embora sua estória fosse sua estória, com todos os altos e baixos por que passam duas pessoas, não teriam mais um futuro juntos.
Ela já pensava em outros caras, colegas da faculdade, do trabalho, imaginava como seria transar com este ou aquele. Ele, ao invés de apenas pensar em outras mulheres, encontrava-se e com elas transava de fato, dando qualquer desculpa para traí-la sempre que surgia oportunidade, sem ver nada de mal nisso.
Talvez aí estivesse o erro. Talvez não. Como pode um sentimento acabar ou se modificar, até tornar-se apenas sombra do que foi? A culpa não era de nenhum deles, a vida simplesmente é assim, as pessoas que vieram da mesma forma podem partir. E quem sabe um dia voltar.

domingo, 25 de setembro de 2011

A Ilha Dos Zumbis

       Depois que seu pai morreu, não suportando a dor enorme da perda, foi procurar a solução onde ela existe em abundância: na internet. Vasculhou a rede durante minutos que pareceram horas, até que finalmente, três vídeos pornôs  no YouTube e uma masturbação depois, encontrou o que procurava. Uma comunidade de pessoas que cultivavam os segredos da necromancia.
Após cadastrar seu celular e o número do cartão de crédito, conseguiu o endereço de um cara que se apresentou simplesmente como Orfeu, quando chegou à casa dele:
-Trouxe o que eu pedi?
Entregou o embrulho que trazia consigo àquela figura sinistra, todo vestido de preto, embora fizesse um calor danado ali dentro. Tinha as faces chupadas e olheiras profundas, além da magreza de quem não vinha se alimentando bem nos últimos trinta anos. Orfeu examinou as duas garrafas de cachaça, a farofa e a galinha bem gorda, fez um gesto neutro com os ombros à vista daquilo que havia pedido, depois guardou tudo numa geladeira que ficava no mesmo aposento.
Perguntou então novamente aquilo que já sabia, quandos dias havia morrido, se tinham cimentado a lápide, se ele tinha estômago forte, etc, e finalmemente contou o que iriam fazer:
-Meia-noite passas aqui, pois antes do amanhecer nós devemos concluir o ritual!
Eles iriam simplesmente desenterrar o caixão e levá-lo até uma das ilhas que circundavam a cidade, onde existira um antigo cemitério indígena, que Orfeu havia descoberto enquanto fazia uma trilha, e que tinha capacidade de trazer os defuntos de volta à vida, bastando para isso enterrar ali o ente querido depois de umas rezas xamânicas, contanto que ainda não hovesse passado sete dias, portanto eles ainda tinham tempo.
O presunto já estava meio estragado e exalava um cheiro desagradável quando retiraram o caixão. Foi por isso que Orfeu despejou sobre ele vários desodorantes sanitários que havia trazido para este fim, pois tinha larga experiência no ofício macabro de desenterrar corpos, da época em que trabalhava como ajudante de coveiro.
Demoraram pouco mais de meia hora durante a travessia de barco, e mais uma hora até finalmente chegarem ao tal cemitério indígena:
-Será que vai dar certo?
-Não se preocupe, ainda temos bastante tempo...
Aquela era a segunda vez que cavavam àquela madrugada, e assim que tudo ficou pronto fizeram as conjurações necessárias, tiradas de um romance sobrenatural que Orfeu havia lido na adolescência. Acomodaram ali o defunto e novamente jogaram terra por cima dele.
Foi a vez de Orfeu tirar da mochila o que vinha trazendo com todo cuidado: as duas garrafas de cachaça, a farofa e a galinha, e começou a juntar uns paus pelo chão:
-Para que serve isso?
-Pra fazer o fogo, não tá vendo? Cata isso aqui que eu vou preparar um espeto...
E logo a fumaça subia, e enquanto esperavam assar o frango, tomavam uns bons goles de cachaça, num caneco que o barqueiro trouxera pendurado no pescoço, feito um colar exótico, típico adereço de biriteiros.
E quando finalmente terminaram de comer e de beber, e se preparavam para ir embora, o rapaz pôde olhar para trás satisfeito, vendo que seu velho ali encontrara um bom lugar para continuar existindo, entre os pássaros que começavam a cantar no meio das árvores, como um milagre da natureza que ele amava tanto.

sábado, 24 de setembro de 2011

Isso É Tudo. E uma Maravilha.

       
     -Ainda posso escutar...
Fiquei emocionado quando vi que ele ainda estava vivo, e podia falar. Era muito sangue, eu não me importva de sujar os braços e o rosto, porque só mais tarde eu percebi que na hora eu chorava muito, e aquele momento me parecia insuportável, que ser humano algum poderia viver depois de passar por uma dor tão grande, de ver o próprio pai morrendo:
-Olha pra mim por favor, não fecha os olhos, não fecha o olho por favor, por favor!
-Estou te vendo, meu filho...
Os caras que atiraram nele já tinham dobrado a esquina. Um senhor que também estava utilizando o caixa eletrônico ficou parado, me olhando de boca aberta, com o cartão do banco numa mão e uma lata de cerveja escrota na outra:
-Pôrra, tu não tá vendo isso aqui! Liga do teu celular, pelamordeDeus!
-Pra polícia?
-Pruma ambulância, por favor! Não deixa meu pai morrer, liga logo, ele não vai aguentar! Pai aguenta, por favor...
Eu sei que a vida é curta e um dia a gente vai acabar. Que essa passagem é um aprendizado, e por mais que a gente ame as pessoas, sabe que um dia elas ou você não estarão mais aqui. Então você torce pra que o próximo seja você, porque a dor de perder alguém que se ama é tão grande que eu não tenho como dizer o que sinto. Eu sofro muito por causa disso, e nunca vou me esquecer que antes de morrer, esteve meu pai em meus braços, se esvaindo em sangue depois de ser alvejado por dois filhos-da-puta de moto que tentaram assaltar ele no caixa eletrônico.
Da gente toda que conheci na vida, era a pior pessoa em quem você pudesse se espelhar, faça o que eu digo não o que faço. Mas era o melhor cara do mundo, personalidade mais cativante que já vi na terra,  que de alguma forma nunca ficava triste ou sempre escondia seus momentos de tristeza, pois sempre estava alegre ou puto da vida, nunca deprimido.
Que suas forças ainda por um bom tempo fossem diminindo, mas que ele permanecesse entre nós. Pelo favor que fez o Senhor, em dar a ele o que ele pediu, que assim certamente para ele tenha sido melhor. Pelos olhos que faiscavam e soltavam estrelas, enquanto me via pela última vez, e já não lhe era possível mais dizer nada.
Embora os olhos estivessem abertos, tenho certeza de que nada mais enxergava. Tinha recém completado naquele mês setenta anos, e talvez ainda pudesse viver mais setenta, e eu do fundo do meu coração acredito que sim.
Hoje sei que Deus escreve certo por linhas tortas, mas nunca vou compreender o por quê de naquela tarde ter morrido meu pai no meu lugar, na boca de um caixa, levando um monte de tiros de pistola de dois vagabundos.
Sabendo nesse instante que eu nunca mais vou vê-lo outra vez, me dá uma dor tremenda. E me dói, e me dói, e me dói e é insuportável, e eu te amo meu pai.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Três Vezes

     
         Como ele estivesse feliz e aquele dia tivesse sido especialmente bom, porquê foi um dia em que ele não morreu, e portanto continuou vivo. Nenhum parente ou amigo seu morreu também, e embora durante rigorosas 24 horas nada tenha acontecido e ele tenha ido ir dormir entediado, foi gratificante saber que o mundo inteiro continuava funcionando, e dele dependia somente na medida em que é possível percebê-lo:
  -Como o sol está bonito agora! Avermelhado, refletindo nos objetos ao redor como se eles de bronze fossem. E as pessoas e os animais, e a areia no chão e as nuvens no céu, mais do que pardas ou negras ou brancas ou azuis ou vermelho como um pôr-do sol, é o que temos. O que vejo quando olho para cima não é o mesmo céu que vês, se é que também tens o hábito de olhar pra cima, embora vivendo nesta porcaria de prisão de muros gigantescos, que são os prédios cinzentos de fuligem da cidade que nos cerca...
-Deus te abençoe e te dê uma vida longa. Que seja tranquila pois assim é possível produzir. Que seja certa por linhas tortas, pois assim conhecerás o necessário para fazer o que é correto ou não. Que te dê tantos amigos quanto inimigos, para que te conserves longe da hipocrisia dos canalhas, que tentarão se aproveitar da tua fraqueza. Que sejas tão filha-da-puta ou mais do que acham que tu és, pois pela inteligência ou pela força é que se angaria respeito, nunca pela submissão.
-Mas eu não suporto quem como eu não dá a cara a tapa, então como superar esta aversão? Como posso desaprender o que conheci para assim poder conviver com as pessoas de minha época?
                                                                        ...
Vínhamos vencendo todas as dificuldades daquela caminhada, e mesmo após quase um mês de frio e exaustão, ainda poderíamos caminhar por mais um mês. Até que nosso alimento, que já vinha sendo racionado desde o começo, finalmente acabou. Não prevíramos aquilo, com certeza já teríamos chegado à estação se nosso companheiro Tom não tivesse machucado o tornozelo, e tivesse agora de ser puxado pelos dois únicos cães que haviam sobrado da expedição até a geleira inóspita:
-Nós vamos morrer.
Escutávamos apenas aquilo que Tom já sabia desde o momento em que, após a tempestade de neve, afundara por entre o gelo fino, torcera o tornozelo, e acabara perdendo o movimento das pernas congeladas. Ele queria ser deixado ali, e para nós dois aquilo era mais doloroso do que conduzi-lo pela planície branca, onde afinal os cachorros conseguiam correr livres, conosco trotando ao lado,e aonde até agora não encontráramos obstáculo algum.
Embora os três já tivéssemos aceitado a morte, com o corpo moído e exausto, nenhum de nós tinha coragem de desistir e descansar ao menos um pouco, antes de largarr um amigo ou morrer congelado.
                                                                        ...
Chegara finalmente ao fim. Não ao fim da jornada, mas a escassez de forças não permitia que continuasse adiante. Olhou para os lados, e era com saudades que recordava os amigos que haviam perecido, e que um deles havia morrido por sua culpa. Queria recordá-los de verdade, mas o cansaço impedia-lhe  os pensamentos mais simples, quando já não era possível saber ao menos onde se encontrava.
Sabia que estava sentado, e foi com esforço que percebeu um papel em branco à sua frente e um lápis em sua mão. Uma força estranha vinha-lhe pelo lado esquerdo, sentiu engulhos e virou a cabeça para vomitar. E foi como se tivesse vomitado o cérebro, pois nem mais a confusão, nem mais a hipocrisia, nem mais o frio, nada disso incomodava agora. Apenas queria saber quem era seu interlocutor:
-Sou um anjo, me chamo Ezequiel!
-Isso significa que eu estou morto?
O papel, o lápis, um sentimento baixo e vil, o gosto do vômito na boca, a dor de saber que existia e a existência da dor. Tudo isto num passe de mágica sumiu, enquanto aquele corpo afogado rolava entre os elementos da natureza como se deles fizesse parte, até encalhar na areia e cobrir-se da neve que caía, brincando ao vento feito espumas na arrebentação.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Antes Que Seja Tarde

As coisas nunca são como as espero, como quero que sejam. Não preciso enxergá-las para saber o que vejo: estou atento, ando no escuro nesse momento e toco em algo com o braço, que é nojento. Posso sentir o fedor que vem da minha frente como carniça de bicho podre, que se desfaz quando toco-lhe os dedos. Fatalmente o ambiente onde me encontro é inebriante, acabou-se o tempo da alegria, tudo agora é morte agoniada. As cores cinzas; os amores, piada. Tateio no escuro e sinto ferir-me um corte: sorte!
lamento esta vida torpe, busco encontrar o caminho que livre da dor, pois sinto na carne esta ferida que me escorre feito pus, viscoso e amarelo. Posso sentir as bactérias multiplicando-se sob meus dedos, e a vida assim me mostra que no fim das contas é óbvio que além de tudo nada mais me reserva. Minha pele e minha carne andam mortas, pelo motivo fatal de estar alienada do real minha cabeça, presa do vício e da mentira, da hipocrisia e da falta de valores e idéias. Como pode salvar o mundo que se encontra condenado?
Sexo. Céchu. Çécsu. O que será isso? Um pêlo que pede para ser lambido? Algo que se descobre quando talvez seja tarde demais, e novamente tornamos ao hábito de mascarar a realidade nos obrigando a chamar aquilo de amor? Dou de presente esta lição: não sou e nem posso ser nada além daquilo que dá forma e determina o meu pensamento, a única coisa que devo ser é sempre objeto da análise do meu próprio intelecto, pois quem  somos é não só a figura que vemos frente ao espelho, mas o caráter presente e futuro desenvolvido e estimulados por nós, que apesar de toda segurança de opinião que tiveres, inevitáveis serão as mudanças e com elas as mudanças.
Conhecer todo tipo de gente. Com algumas serei obrigado a conviver até certo ponto, com outras convivo espontâneamente e às vezes procuro a companhia. Me agrada ver a luz que atravessa aquela fresta na janela e vem pousar no teu corpo, e suavemente o teu corpo afaga, e os meus olhos têm a sensação da tua pele macia que roça a minha, e sorris porque eu me animo encostando em ti. Estamos ofegantes e suados, estás cansada e eu também, mas é impossível não sentir frio quando encostas o bico do teu seio no meu antebraço.
Talvez tenha respostas em breve. Talvez eu não saiba de nada, e esta seja a despedida. Talvez fiquemos milionários, quando amanhã eu ganhar na Mega-Sena. Ou então um ódio mortal me acometa e com meus dentes rasgue tua carótida furiosamente e assim te mate. E o ódio descontrolado arranque as folhas destes galhos, no ímpeto das mais violentas chuvas, e caiam e apodreçam frutas, e venha com a escuridão pragas indizíveis de mau agouro.
Egoísta ante tua imagem genuflexa, darei-te o que me pedes, enquanto despertas minha lascívia com tuas brincadeiras, mas espero até sentir o gosto bom entre tuas pernas, até que por fim relaxas e afastas as coxas e molhas meus dedos e minha cara, depois inundo tua boca do que me pedes, até ficares farta e me virares as costas.
Depois de tudo sobrarão as lembranças desta época de liberdade delirante, que um dia enfim sufoque minhas vísceras então eu morra, ou até que fique velho e ao fim me foda escangalhado, num joelho.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

The Shit Band

   Information is not knowledge
   Knowledge is not wisdom
   Wisdom is not true
   True is not build
   Build is not love
   Love is not music
   Music is the best.

Aquela ia ser a primeira viagem que faríamos com a banda, depois de quase seis meses tocando pelos bares da cidade. Ninguém conhecia o cara que tinha nos contratado, muito menos o Igor, que era o vocalista/líder e agora empresário do nosso grupo.
-Rapaz, estou só te dizendo! É preocupante porquê além de ser longe pacas, não recebemos nada de adiantamento ainda!
-É, mas não esquece que ele vai mandar uma van pra levar e trazer a banda, além do que o dinheiro está combinado pro final do festival, quando ele apurar a bilheteria!
-E se a bilheteria der só uma mixaria?
-Estás maluco? É a cidade inteira que participa desse negócio, ele disse que são milhares de pessoas pra quem a gente nunca tocou na vida...
Admito que costumo ser muito desconfiado, sempre, ainda mais quando envolve grana, e a gente ainda não tinha visto a cara de quem nos tinha contratado, as coisas tinham sido acertadas por telefone com o Igor, que não era besta nem nada, mas eu estava achando ele empolgado demais.
Sem querer avacalhar, acho que na época nós não estávamos tão bem ensaiados, e o nosso som não sei se encaixaria no ambiente de uma feira agropecuária. O rock que fazíamos talvez fosse meio pesado pra quem não curtisse, e podia ser um fracasso, ainda mais que as músicas eram em inglês, que nesse estilo é bem mais fácil para compor do que o português.
   Realmente estava bom demais pra ser verdade. A gente nem bem tinha começado a tocar por aí, e em menos de seis meses, aparecia uma figura dessas contratando a gente para tocar para milhares de pessoas, simplesmente porque ele tinha visto e gostado de uma das nossas apresentações? Estranho.
No domingo enfim, oito e meia da manhã, reunidos com nossos instrumentos na casa do Francisco, o baterista e justo onde a gente costumava ensaiar, porém a tal da van estava atrasada:
-Pô, cara, tá todo mundo já esperando aqui e o carro ainda não chegou!
-Mas não se preocupe meu garoto! Eu já mandei faz tempo o rapaz e daqui a alguns minutos ele deve estar chegando aí...
Isso foi o que o cara disse, mas quando o motorista finalmente chegou, quase às dez horas, o Renato já estava muito puto, com a guitarra nas costas e dizendo que ia embora, não fosse a gente segurar ele usando todo o nosso poder de bajulação.
   Mas teve outro probleminha: ao invés duma van, foi mandada uma Kombi furreca, e dessa vez foi o Francisco quem ficou puto, pois de jeito nenhum acreditava que seria possível caber todo mundo ali dentro. Contando com a Zana éramos cinco, fora os instrumentos, as duas caixas e a mesa de som:
-Apertando dá!
-Então aperta o teu cú! Arranja outro batera que eu não vou entrar nessa porra!
Dentre todos os problemas de logística por que passa uma banda de rock, transporte dos instrumentos, ensaios, produção, arranjos, além de ter que fazer um som mais ou menos passável, o pior de todos sem dúvida era controlar os egos.
   O relacionamento entre nós quatro, durante todo o tempo que nos conhecíamos, sempre fora cordial, mas agora parecia que todos tinham de fazer um esforço tremendo para suportar o outro, como uma panela de pressão no fogo, sem válvula de escape e prestes a explodir.
O Igor dizia que não, mas era logicamente o cara mais importante ali, pois além de cuidar da parte chata, de fazer os contatos nos lugares onde a gente ia tocar, ainda compunha as letras das canções, e embora não fosse uma virtuose, era o que mais se esforçava nos ensaios, pois não só cantava como também fazia a segunda guitarra.
Os arranjos eram com o Renato, que de nós era o único que fazia faculdade de música, embora muito antes disso eu já considerasse o cara um virtuose. Mas pelo rumo que as coisas vinham tomado nos últimos meses, com a gente tocando todo final de semana e o Igor levando sempre a namorada dele para onde a gente fosse, porque ela era muito ciumenta, estavam deixando nosso principal guitarrista meio estressado. Toda vez que a gente se reunia na casa do Francisco, era ele quem sempre encerrava o ensaio e costumava sair puto, depois de escrotear que todo mundo não passava de um bando de babacas.
O Francisco tinha tocado em mais bandas do que podia se lembrar, e no momento era responsável pela cozinha de duas ao mesmo tempo, ou quase, além do que tinha uma bateria completa, da qual morria de ciúmes. Para ele a gente podia ir até no teto da Kombi, contanto que não arranhassem o precioso instrumento.
Eu mal e porcamente tocava baixo, e pelo som que a gente fazia não era difícil acompanhar o pessoal com três ou quatro notas repetidas, e depois se não elogiavam, pelo menos também não execravam completamente o meu feijão-com-arroz, o que era mais do que suficiente para que às vezes, no meio de uma música, eu até me sentisse feliz.
Gastamos saliva à toa durante uma hora, tentando convencer o Francisco a aceitar o transporte que o contratante tinha mandado. A Zana disse que podia ir de ônibus, para assim sobrar mais espaço; por mim eu disse que sempre tive uma vontade louca de pegar cinco horas de estrada tomando ventinho no teto de uma Kombi caindo aos pedaços. O Renato, depois que o transporte chegou, já tinha se acomodado e garantido o seu lugar ao lado do motorista, mas foi graças ao último argumento do Igor que finalmente resolveu-se a parada:
-Então tá! Já que é assim, tu podes ficar aqui, mas deixa a gente levar pelo menos a batera que eu ligo pro Jaime ir com a gente tocar lá e...
-Mas como é que é? Se tu queres tanto ir assim, então vai tu e essa Banda de Bosta tomar no cú!
Foi assim que aquela apresentação no interior, ao invés de ser nosso primeiro show num grande festival, possivelmente diante do maior público que teríamos até ali, acabou se tornando na verdade o fim do nosso saudoso grupo, o Banda de Bosta.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Que Querias Saber

"Sim! por ser habitado por almas
é que este nosso mundo é um mundo mágico...
onde cada coisa - a cada passo que se der
vai mudando de aspecto... de forma... de cor...
Vai mudando de alma!"


-Eu não sei muito bem o que pensar da minha vida, embora sempre diga pros outros ou tente parecer que sei. Finjo que não vivo por dentro o estranho sentimento dessa angústia misturada com solidão, dessa falta de alguma coisa que talvez não exista, como a eterna sede de quem nunca provou água uma única vez sequer na vida.
-Essa vontade de fazer tudo que quero, mas submetida a essa hipocrisia barata que ainda não se dissolveu completamente, embora seja óbvio que caminha nessa direção.
E como eu, apenas aguarda algo maior que venha precipitá-la finalmente.
-Estou apaixonada por um cara e hoje decidi dizer isso para ele. A gente marcou de se encontrar, fomos assistir a um filme, conversamos sobre várias coisas, mas na hora 'H' não sei o que me deu, e não pude dizer nada do que tinha decidido: que era minha alma além do meu corpo que o desejava.
-Que meu coração gostaria muito de arriscar algum sentimento maior com ele, embora mais lá na frente eu possa estar enganada e quebrar a cara. Porém que ele soubesse que eu já seria muito feliz se ele se entregasse de corpo e alma como eu me entregaria.
-Mas prefiro não precisar dizer-lhe isso com palavras. Eu também estou confusa, e sei que com apenas um olhar ele não pode me compreender inteiramente, aliás, nem se vivesse ao meu lado o resto da vida, ainda assim seria incapaz de me compreender.
-Talvez eu esteja exigindo de nós mais do que é possível até para mim, e devido esta ânsia de conhecer tudo de uma vez eu venha um dia a sofrer amargamente palas decisões que tomo agora.
-Ou quem sabe no futuro, de tantas decepções e amarguras com as pessoas ao meu redor eu desista,  e a chama que hoje me anima os pensamentos e a própria vida, aos poucos definhe, até que tenha se tornado mais amarga que o fel, e congele por dentro ao invés de aquecer.
-Então passarei a  falar da mocidade com a inveja e ódio dos que caçoam de algo na frente dos outros, mas que quando estão sozinhos com seus pensamentos mais íntimos, admiram e dariam tudo para ter de volta em suas vidas o amor ao menos uma vez mais.
-Minha melhor amiga não soube também o que dizer quando lhe contei, mas acho que foi culpa minha por ela não entender direito, pois no fundo nem eu sei o que realmente se passa comigo.
-Tenho vontade às vezes de largar tudo e fazer uma loucura, dessas que a gente sonha em voz alta só para ouvir como seria bom passar meses viajando e conhecendo vários lugares sem parar em nenhum deles, ou ir embora morar numa praia paradisíaca areia branca e mar turquesa. Ou quem sabe simplesmente ser eu mesma.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vamos Lá Frank!

            (Obs: O personagem deste conto tem comportamentos absolutamente normais para o universo fictício no qual habita, onde as coisas podem até parecer estranhas e absurdas aos nossos olhos, mas verossímeis no contexto em que se passa a estória)


            Firmino Matos escrevia contos pessimamente, principalmente quando abusadamente utilizava-se de gerúndios adverbiosamente, interminavelmente até o fim da frase, que chegava lentamente. Foi por isso alvo das críticas de alguns morfolexícólogos desocupados, que ao invés de ler as estórias que escrevia, preferiam catar-lhe os erros de português, como um macaco a catar os piolhos do outro.
            O Sr. Firmino concordava que estava longe de ser um Dalcídio Jurandir, conterrâneo seu de quem se dizia ter confeccionado os melhores livros daquelas imensas terras, pois se dependesse do pobre contista, nem de longe tal mérito seria ameaçado. O que era a mais notória verdade, do que nunca ninguém havia dito nada em contrário.
            As protoestórias que compunha não passavam de piadas contadas em mau dialeto brasileiro, utilizando todo tipo de lugares-comuns e frases de efeito e chavões e repetições e enumerações sem vírgula, sendo impossível de continuar assim.
            Sem o menor zelo em tentar disfarçar sua estultice, punha-se a fazer apontamentos desinteressantes e sem sentido no cabeçalho do que escrevia, ficando evidente a  ausência do mínimo talento para sequer desenvolver um enredo crível em quarenta linhas, forçando sua imaginação e vocabulário reduzidos a expelir como solução uma espécie de prólogo inútil.
            Em seu último texto, Firmino Matos esforçou-se até para juntar as palavras de forma limpa, com honestidade e sem galicismos, mas sentia-se como sempre traído pelas próprias forças, que sabia serem apenas insuficientes para o trabalho a que se propunha.
            Embora lesse muito e roubasse ideias de outros autores, chegando até algumas vezes a plagiar autores clássicos descaradamente, na ingenuidade de supor que os leitores seriam tão ignorantes quanto ele, foi finalmente pego certo dia. Tinha acabado de adaptar uma passagem do Sr. Pickwick e já ia postar como se fosse sua, quando o fantasma de Dickens apareceu-lhe, que como é sabido, costuma aparecer para atormentar a vida de quem comete mais este crime contra o direito autoral e o respeito humano. 
            - Teus dias de larápio acabaram, Firmino Matos, pois vou te levar para o inferno agora!
            - Me deixa fazer um último conto...
            - Mas é o último, hein?
            E assim, naquela sua linguagem tão manjada e simplória, fez o que pôde: os dois únicos personagens representando o choque entre presente e passado, numa tentativa de imprimir ao enredo algo do patético e patológico drama humano, que podia ser analisado sob diversas formas, mas ele não era capaz de se decidir por nenhuma. Todo o tempo escrevendo como que permeando o texto por um sarcasmo mordaz, sem nunca agradar os críticos, arrematando o raciocínio tosco com um regionalismo barato, feito o égua que era.
            - Terminou? perguntou-lhe o etéreo e enfadonho Dickens.
            - Acabei. E o que acontece agora?
            - Só isso aqui... 
            Então simplesmente apertou a tecla "delete".

domingo, 18 de setembro de 2011

A Garota

             
                 Ela chegou depois de ter falado com meu amigo, dizendo que queria ter uma conversa séria comigo, e ele veio saber se eu estava disposto a ouvir.
                - Pois não?
                - Olha, eu sei que tu me conheces de vista, e deves ter percebido ou alguém te falado que eu sou feminista, e sob esse ponto de vista era que eu queria que você fizesse um favor para mim:  se dava pra gente fazer sexo durante uns quinze minutos, e se estivesse bom, depois a gente podia fazer por mais quinze, tudo bem?
                - Hã?
                - Sabes por quê? É que hoje eu acordei com tesão, e o teu amigo ali me garantiu que tu estavas afim de mim...
                - O Jardel é um santo!
                - Pois é, mas não é só isso não. Se estou te falando que quero transar contigo, também quero que tu saibas que eu não estou gostando de ti, e não vou te dar o meu número de telefone, porque não te quero me ligando depois, no caso de ficares apaixonado por mim.
                - Vai ser difícil!
                - O que?
                - Brincadeira, continua...
                - Outra coisa: em hipótese nenhuma ninguém deverá saber absolutamente nada do que a gente fizer; não podes contar nem pro teu melhor amigo nem pro padre da tua paróquia nem pra mais ninguém que tu imaginares! Porque se tu fizeres isso, saibas que eu conheço certas pessoas muito perigosas, então terás um grande problema, qualquer vacilo que deres, ouviu bem?
                - Bom, mas tem o Jardel.
                - Você entendeu sobre que estou me referindo! Lógico que o único que vai saber que eu falei aqui contigo é ele. Aliás, através dele que eu posso te mandar um recado em código, se tiver vontade de transar contigo de novo.
                - Feito!
                -Agora a gente tem que sair daqui um de cada vez. A gente podia ir pra minha casa, mas acho que meus pais estão lá! Então, se você tiver um lugar melhor, pode ser também.
                - Onde moro não fica muito longe daqui.
                - Ótimo! Então espera eu sair e vem logo atrás de mim...
                Ela saiu andando na minha frente, e eu pude ver através da saia comprida o contorno sinuoso de suas pernas, tão maravilhoso quanto todo o resto. O Jardel chegou me oferecendo um cigarro, e comentou:
                - Égua da gata! Quando ela me chamou eu nem acreditei! O que vocês falaram pra ela sair tão apressada?
                - Nada de mais. Ela teve mesmo que sair urgente, e eu também tenho que ir embora, mas ela me disse que qualquer dia desses te manda uma mensagem...

sábado, 17 de setembro de 2011

A Mulher e a Música das Nuvens


                Era uma vez uma mulher que gostava muito de viver sua liberdade, tanto que toda a manhã saía para caminhar pelos campos de monocultura de uma empresa estrangeira que veio cultivar naquela mata sem fim, onde finalmente tinham conseguido botar a floresta abaixo, livrando-a dos animais perigosos e insetos inoportunos.
                Dária sempre que caminhava entre as plantações, prestava bastante atenção no som que o vento fazia ao passar pelas folhas, e olhava para cima admirada com a dança das nuvens, que para ela eram regidas pelo mesmo vento que lhe agitava os cabelos, no que tinha absoluta razão.
                Certo dia, numa dessas caminhadas, apareceu-lhe pela frente um elfo de mais de um metro e oitenta, ombros largos e olhos claros, que percebeu-lhe a pureza dos sentimentos no coração palpitante, então a fez apalpar até sentir endurecer outra coisa sob suas calças.
                E foi ali mesmo, deitados entre o verde daquele campo de soja, sob o sol forte do meio dia equatorial, num sábado com céu limpo, que Dária percebeu pela primeira vez como o mundo realmente girava.
                Desta forma, ela passou todos os dias a se encontrar naquela mesma hora com o elfo, que variava cada vez mais as posições em que iniciara a jovem mulher, e ela agora imaginava se assim como as folhas e as nuvens, os movimentos daquele desconhecido não seriam também regidos pelo vento, como se ele fosse apenas mais uma nota desta música misteriosa que era sua vida.
                Os dois deitados de costas olhavam para as nuvens que mudam a cada instante de forma, sem nunca se fixar numa mesma imagem por muito tempo:
                - Já que dissestes ser um elfo, e veio me mostrando durante essa semana sua enorme vara de condão encantada, que tal agora se contasses algo que apenas os elfos conhecem?
                - Prometes guardar segredo?
                - Com certeza, ou não me chamo mais Dária!
                Percebendo claramente que em breve ela teria de mudar de nome se levasse a sério a promessa, pois quem diz com certeza, com certeza não tem a mínima idéia do que está fazendo e só disse isso porque foi a primeira resposta que veio à cabeça, o cara dos olhos claros percebeu que aquilo tomava um caminho perigoso, e decidiu finalmente parar de vê-la. Mas antes resolveu testá-la, lançando-lhe uma proposta:
                - Se eu contar o maior segredo dos elfos, nunca mais nos veremos, e você deverá escutar minhas palavras sem jamais repeti-las pelo resto de sua vida! Ainda queres saber mesmo assim?
                - Com certeza!
                - Pois bem, a origem do poder dos elfos vem de conseguirmos ouvir a música que rege as nuvens! Basta se concentrar e prestar bastante atenção, mas na verdade sem prestar muita atenção de verdade. Percebeu a intenção?
                - Com certeza!
                Enquanto ia embora aliviado por ter conseguido deixá-la tão facilmente, não percebeu que Dária olhava-o pelas costas, já sabendo perfeitamente que ele não era a pessoa de quem dizia se tratar, mas que sem querer tinha revelado à ela algo que apenas ele imaginava uma asneira, simples tolice para enganar mulheres tolas. Mas na verdade, o que ele revelara tratava-se realmente de um dos maiores segredos, não só dos elfos como de todos os outros seres mágicos e poderosos, invisíveis aos meros mortais.
                Ela então olhou para o céu e naquele instante, no momento exato em que uma nuvem rosada transformava-se, assumindo a forma de uma bela princesa, ela começou a escutar a melodia mais doce de toda sua vida, vinda sabe-se lá como de algum lugar do espaço acima de nossas cabeças.  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Televisão

     Permaneceu bom tempo sentada, cansou-se da posição, mexeu-se na cadeira, observou mais um pouco os passantes e os automóveis, mexeu-se de novo entediada, por fim levantou-se e foi beber um copo d'água. O telefone tocou e ela precipitou-se em atendê-lo:
- Alô? Não, aqui não mora nenhum Maurício.
Engano. Difícil alguém ligar, nem sabia por quê ainda mantinha aquela linha ativa. Bem, a assinatura cabia no orçamento, e tinha direito ainda a cem minutos todos os meses. Podia telefonar moderadamente para alguns programas interativos, e às vezes quando a solidão era muito grande, distraía-se ligando para o disque-piada.
A chuva dessa vez caíra no fim da tarde, e já estava afinando para cessar de uma vez. Voltou a sentar-se na beira da janela, numa espécie de varanda, e observava a paisagem oferecida por sua rua: o ronco dos carros, o movimento apressado de alguns transeuntes conduzindo seus guarda-chuvas, as gotas caindo cada vez mais finas e espaçadas. Alguns pássaros atrasados passavam perdidos de seus bandos, e pousavam nos galhos repletos de outros periquitos, na samaumeira  centenária na praça que ficava defronte sua casa.
Naqueles bancos acompanhara várias histórias, assim imaginava. Casais que se conheciam e depois de muito tempo vinham terminar o namoro ali, às vezes sentados até no mesmo banco, mas muito diferentes de quando o amor era apenas uma promessa. Viu aquela moça dos cabelos vermelhos e o rapaz de óculos, que ao contrário da maioria, tinham continuado firmes no  namoro, e que agora costumavam levar o filhinho para brincar naquela mesma praça.
Todas as coisas que fazia na vida não tinham aparentemente sentido algum, mas não percebia ou não se preocupava com isso. na verdade, nem sabia mesmo para quê estava viva, e sua grande vantagem era existir sem perceber isso, pois assim era-lhe possível viver sem inquietações, embora ela sempre desejasse ardentemente um grande amor. Mas nunca ter perdido um grande amor era quase melhor do que ter amado, e isso fazia-a quase feliz.
Os sinos da igreja começavam a tocar, na certa sem outra função que não dar as horas. Sem qualquer outro pensamento na cabeça, fora a sensação de lembrar apenas o segundo anterior, virou-se para dentro, pegou o controle remoto e ligou a televisão.
No momento em que começava a abertura da novela.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Engane-se e Culpe Os Outros

"We'll choke on our vomit and that will be the end
  We are fated to pretend."

Estamos nas primícias da vida. Então vamos escutar umas músicas, ganhar uma grana, casar com modelos. Ou podemos ir para Paris, injetar heroína e transar com estrelas, o que achas?
É você quem decide viver alucinadamente e morrer jovem. Nós sabemos disso, então vamos nos divertir, quem se importa? Para quê procurar empregos em escritórios, acordando calado todo dia de manhã em prol da comunidade? Esqueça agora seus irmãos e seus amigos, porque senão vocês estarão fadados a ter que fingir que se importam uns com os outros o resto da vida.
Infelizmente não há nada que possamos fazer. Os amores serão esquecidos, a vida não pode trazer novidades a todo o tempo, e você vai ter que entender isso. As modelos terão  filhos, se divorciarão, serão esquecidas, as pessoas irão encontrar outras modelos, e a vida como sempre seguirá seu curso.
Hoje as coisas não estão mais como costumavam ser, simples, claras, comuns. As pessoas ao meu redor escondem o que são de verdade, ou fingem que no fundo valem alguma coisa, mesmo quando não prestam para nada, além de exibir uma aparência oca e sem maior significado que a marca da roupa que veste no momento, numa confusão inacreditável entre estar e ser.
Ainda assim existem regras de convivência, e não podemos sair por aí mandando os outros se foder, embora às vezes dê uma vontade danada, e mesmo assim a gente pode acabar tomando porrada dos mais suscetíveis. Por isso, aliás, sou a favor de que todos andem armados, pois ninguém seria louco de se meter contigo se soubesse que andas com um revólver ou ao menos uma faca.
Ninguém pode-se dizer santo, eu muitíssimo menos, pelo contrário, mas será que me apontas um só sequer que aches possível salvar desta lama e deste lixo e desta mesquinharia em que se transformou nossa vida, pela ganância e inveja e falta de caráter de tantos imbecis? Será este nosso fim, fingir o que não somos até chegar nossa morte?

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Estruturas Temporárias



Existem coisas que devo saber. Existem coisas que só saberei se conseguir vivê-las, porque de nada me adiantará sabê-las sem conhecê-las. A vida continuava existindo, mas aquilo que eu queria escrever sobre não estava mais na minha cabeça, e eu estou sendo sincero agora.
É muito difícil conviver com a adicção. Mas não estou falando de drogados quaisquer, falo com você. Que não consegue sair se sua roupa não está combinando; que fica realmente mal se não comprou uma calça nova na semana anterior; que adora dizer que a vida está uma merda, quando na verdade sabe que melhorou muito. Que diz que não se importa com a opinião dos outros, mas não consegue sair de casa no dia em que nasce uma espinha...
"Tem tanta coisa que eu queria fazer! Mas eu não tenho tempo, minha época já passou e eu pareceria ridículo. Ainda mais que sou um velho que já não espera mais o dia de amanhã."
Pôrra, imagina se tu fosses paraplégico, mas até os paraplégicos fazem alguma coisa! Imagina se fosses um asno viciado em heroína e anfetaminas, como será que tu te sentirias? Tua vida seria uma merda, e tu reclamarias do microondas que demora para esquentar teu sanduíche? Não! Ias reclamar das escaras pustulentas, que são as feridas que nascem na tua bunda de tanto ficares sentado sem poder te levantar, e que não param de se multiplicar nesta tua carne inútil.
Quando nos damos conta de quem escreve nossa história, é possível viver um pouquinho melhor o tempo que nos resta. Imagino que as pessoas que alcançam perceber isso, consigam eliminar ao menos metade dos males que se tornaram hábitos e desocupar a mente para assuntos realmente relevantes, tipo: o prazo de validade expira daqui a quinze anos, o que posso fazer da minha vida nesse meio tempo?
Mas as coisas que vivemos são maiores do que quem as vive. E a maior parte dos seres humanos não vale nada. só fazem merda, além de pensarem merda e de não terem certeza nem do que viram. Em outras palavras, ignore os merdas e sorria, assim  não parecerás arrogante.
Toma meu Senhor, estes como os últimos dizeres que arrolo em minha defesa. E se não servem como defesa, não importa. Que pelo menos diga minha voz àquele quem minha persona soube haver. Perdoe o preciosismo, mas é assim mesmo, não é mais possível esperar o mundo para começar a evoluir.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Eu vi, meninos....



            - Sabias que já existiram pessoas deste tamanho?
            O que ele me apontava era um conjunto de estátuas que representava a República. Eram estátuas belíssimas, feitas por um conhecedor da arte de talhar a pedra, em momento inspirado. A Justiça era mulher que não se encontra mais em lugar nenhum, tamanha opulência e beleza. Ainda mais que tinha mais de dois metros de altura:
            - Cara, me fala sério, não existe ser humano algum tão grande assim!
            - Esses seres humanos que nós conhecemos realmente não, mas já imaginastes na época dos Gregos, as pessoas de quem eles esculpiam estátuas?
            - Eu não acredito! Imaginas mesmo que aquelas estátuas ao invés de uma idealização, foram copiadas de um ser humano perfeito, que só existiu naquela época?
            - Acredito...
            Foi indescritível o que senti quando vi meu braço apertado com toda força pela mão mais branca e gelada e dura da minha vida. Tentei me livrar, mas depois que notei meu camarada também era seguro pela mesma mão. Olhei pra cima e vi quem era nosso carrasco: a Estátua da República:
            - Putz, não acredito! Tô fudido!
            - Tamos!
            Fomos arremessados como bonecos muitos metros distante, e por sorte caímos na grama. Eu jurava ter ouvido um grito e olhei meu camarada, mas ele já estava se encontrava de pé. Inclusive se preparava para correr, pois aquela desproporcional estátua de mármore avançava em nossa direção. E agora se podia ouvir: enquanto corria com suas pernas de pedra atrás da gente, emitia um ruído semelhante a uma destruição em massa, como uma explosão, avalanche ou um terremoto arrasadores.
            O Fábio gritou como eu não imaginei que pudesse quando foi pego, no meio da corrida daquela máquina ambulante de quem ninguém poderia escapar. Ele foi arremessado facilmente para o alto, enquanto me olhava desesperado e gritava meu nome. Com uma dor no peito, virei para trás e vi quando ele foi escangalhado por uma braçada daquela criatura, cujo corpo de mármore ficou manchado do tinto sangue do meu bom amigo.
            Em menos de dez passos a criatura se postou na minha frente, então eu não pude mais correr. Ela encostou bem perto o rosto do meu, e seu hálito recendia ao enterrado e velho e distante, e falou numa língua incompreensível, mas que eu entendi perfeitamente:
            - Decifra-me ou te devoro!
            - Decifro...
            Não chore agora meu amigo. Essa é sua última chance, embora você saiba que não tem mais nenhuma. Chegará o dia em que tudo isso você irá imaginar como se nunca tivesse acontecido, mas você se lembrará de que talvez tenha sido muito bom.
E finalmente você também estará morto, como algo que nunca aconteceu.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lento, Cada Vez Mais Lento

             "Um corredor em ação durante uma prova, deve cobrir a distância que o separa da linha de chegada no menor tempo possível, antes de todos os outros corredores, e para isso deve estar muito bem preparado física e psicologicamente, para se aproximar do próprio limite e alcançar seus melhores resultados;
            A sequência de treinamentos de um velocista, ao contrário do que logicamente esperamos, não envolve apenas o ato de correr sem parar até cansar. Para que se chegue cada vez mais longe existem na verdade exercícios que aparentemente em nada favorecem o aparelho locomotor, embora por trás das aparências seja de vital importância para a evolução em qualidade do movimento, o que favorece o fluxo de energia interno e o equilíbrio psíquico, além de evitar lesões musculares;
            Correr não é apenas ir para frente dando um passo após o outro na maior velocidade que se conseguir, nem qualquer outra definição que não envolva também o aspecto intrínseco ao ato de correr que não depende apenas do movimento no espaço, mas envolve também a questão do significado do ato em relação a uma infinidade de observadores cuja existência extrapola a vontade do corredor, sob cuja ótica é possível julgá-lo quanto à sua velocidade em relação aos outros competidores e entre eles.
            Para o caso de quem terminar em primeiro, considerará que ele estava apenas caminhando, muito lento por sinal, quem for o segundo lugar. Nem tão lento para quem for o terceiro, meio rápido para o quarto, mais rápido para o quinto, até que a platéia na arquibancada, os espectadores das diversas mídias, as variadas formas de gravação, armazenamento e reprodução no tempo, imsginem que ele alcance a velocidade da luz;
            As leis da física favorecem o equilíbrio. Por conseguinte, o movimento executado ao centro tende a ser auxiliado por uma conjunção de fatores que mais uma vez em nada dependem da preparação física, mas que pode ser percebida mais facilmente em quem tem no corpo a potência ociosa necessária para executar tal movimento da forma como ele é proposto, no raro momento em que se configura essa ocasião de equilíbrio;
            Após o disparo do juiz os velocistas devem partir ao mesmo tempo, numa explosão de vigor dos músculos e potência do coração, abastecendo cada célula corporal do sangue que corre a uma pressão e velocidade incríveis dentro de artérias e veias.
            Contra o atrito e todo tipo de força contrária, contra os outros velocistas e contra tudo o que pode caber entre Céus e Terra na vida de um homem, cada célula e nervo e osso e fibra e essência e fluido têm apenas uma única missão: percorrer o mais velozmente possível a distância definida, cruzar a linha de chegada e então finalmente parar e respirar.”

domingo, 11 de setembro de 2011

Você está Bêbado?



            Um dos melhores caras que conheço para sair  é o Jardel, toma todas e não esquenta se é cerveja ou cachaça, além do que come qualquer coisa e fuma mais do que ajudante de pajé. Pois resolvemos sair e beber naquele bar que fica lá atrás do bosque, aproveitando o feriado de semana prolongado.
            - Desce mais uma gelada aqui na mesa, seu Gervásio!
            Além de bem gelada, a cerveja ali cabia no bolso, ainda mais porque a gente só andava duro por aí, final do mês era tomando buchudinha e tirando o gosto com  manga verde e sal.
            Papo bacana, o Jardel estava contando de quando escapou de ser assaltado porque saiu correndo na frente, na vez em que ele e o Wálter tinham saído juntos para curtir de penetras numa festa de quinze anos:
            - Aí quando eu vejo lá vem o Wálter descalço, sem camisa, mas com os dois convites que a gente tinha feito na casa dele no bolso! Quá, quiá, quiá, quá, quá, quá, quá...
            Já tínhamos tomados umas quantas, já estava na hora de pedir a saideira, quando chegaram dois monumentos à beleza feminina, que se sentaram numa mesa um pouco afastada e pediram uma cerveja.
            - Saca só as duas gatas que sentaram ali!
            - Realmente, vou tomar essa saideira só olhando pra elas...
            - Por que tu não vais conhecer uma delas e depois vem aqui me apresentar a outra?
            - Pô Jardel! Já que a idéia foi tua, por que tu não vais lá?
            - OK!
            Outra das características marcantes do Jardel era sua enorme cara-de-pau, pois quando eu vi, ele já tinha ido até a mesa delas, com o copo de cerveja pela metade numa mão e um Hollywood na outra.  Sem alternativa, levantei da mesa e fui me esconder no banheiro, aproveitando para dar uma mijada. Mas quando saí, vi que meu camarada não estava na nossa mesa, mas sentado e conversando com aquelas duas moças, inclusive até com o braço em volta da cintura de uma delas, e que não paravam de rir, como se ele estivesse contando piadas ou coisas do tipo.
            Depois que sentei, ficou explicado o porquê de tanta intimidade do Jardel com aquela menina: eles tinham tido um rolo curto, mas muito intenso durante o segundo grau, fazia mais de dez anos que não se viam e estavam se achando muito mudados. De acordo com Raíssa, seu ex-paquera tinha envelhecido muito, o que era óbvio depois de tanto tempo, e parecia ainda mais magro, só que tinha um olhar diferente.
            - E tu ficaste muito gostosa!
            E incrivelmente as duas começavam a rir; e não era possível de estarem bêbadas com apenas três cervejas. Talvez ele tivesse colocado alguma coisa na bebida delas, embora tivesse jurado pra mim que nunca mais ia fazer aquilo. Era uma situação tão estranha, que a moça do meu lado não parava de ficar me olhando. Mas por sorte o Jardel foi logo explicando:
            - E essa daí é a Mila, prima dela, que se eu fosse tu agarrava logo! Ha, ha, ha, ha, ha, ha.
            A parte boa de sair com meu camarada era o fato dele ser um cara-de-pau, mas essa era a parte ruim também:
            - Desculpa meu amigo, porque ele eu acredito que deve estar bêbado, e ele fala muita bobagem quando enche a caveira.
            - Pois sabe que eu acho que ele tem razão?
            Olhei pela primeira vez diretamente nos olhos verdes e brilhantes dela, coisa que ainda não tinha conseguido fazer desde que começara aquela conversa. E esta cor irreal de íris foi a que eu passei a relacionar dali para frente àquele tipo de garota. Que parece caminhar por entre os mortais como se pudesse dar algum alívio momentâneo às suas vidas restritas e amarguradas, devido quem sabe a uma enorme bondade interior ou talvez a certo tipo de incomunicável delicadeza.

sábado, 10 de setembro de 2011

A Caverna e O Segredo da Rosa Branca


            Vivia um feiticeiro muito poderoso no interior de uma caverna, que possuía o segredo dos segredos, mas que nunca havia contado para ninguém do que se tratava. Era um mago muito sábio, que evitava sair da caverna justamente para evitar também a tentação de dar com a língua nos dentes. Nota-se que não era chamado de sábio à toa.
            Só que este mago muito poderoso conhecia muita coisa, menos a fórmula da imortalidade. Com o tempo sentia que aos poucos as forças que tão bem lhe serviram na juventude viravam apenas lembrança. Seu corpo obedecia com cada vez mais dificuldade as ordens do cérebro; sua mão deixava cair coisas leves e tremia; suas pernas mal conseguiam sustentar o peso do corpo mirrado:
            - Sinto que meu fim se aproxima! Devo encontrar um jovem feiticeiro para passar-lhe todos os meus ensinamentos, inclusive O Segredo, que guardo apenas comigo, antes que seja tarde!
            Devido à pressa, o Mago foi obrigado a fazer uma espécie de concurso para escolher quem iria sucedê-lo, e a primeira regra era que o candidato tinha de topar passar o resto de seus dias morando numa caverna. A segunda regra era que no dia do teste devia apresentar a magia mais poderosa que conhecesse, para posterior avaliação.
            No dia escolhido havia dezenas de magos e bruxos aprendizes; alunos de Hogwarts desempregados e expulsos depois do fim da série; vampiros e lobisomens que tentavam especialização em magia, para assim enfrentarem o concorrido mercado de trabalho dos personagens trash, que já estava saturado com todo tipo de publicações do gênero. Além de um ou dois Sacis pitando cachimbo e uma Matinta-Pereira, que foi presa fumando um baseado de maconha e não pôde participar do teste.     
            Várias foram as magias apresentadas, mas eu tenho que admitir que o nível da competição estava fraco. Aqueles velhos fogos de artifício coloridos Made in China e várias explosões toscas; vassouras e tapetes e todo tipo de porcaria voadora; cortinas de fumaça, invisibilidade, força sobre-humana, a capacidade de tomar sangue, etc.
            Nada disso impressionava o velho Mago, que enquanto no começo começara a  tirar pequenos cochilos entre as apresentações, estava agora roncando descaradamente de boca aberta no meio dos truques mais enfadonhos.
            Faltava apenas um semideus e um aprendiz de bruxo, além de outro jovem com capuz que não havia falado com ninguém, portanto ainda não tinham conseguido descobrir de quem se tratava.
            O bruxinho foi primeiro: trazia na mão uma varinha de condão cuja ponta costumava transformar em pirulito de abacaxi, seu sabor predileto, e disse que se chamava Harry Píter.  Justificou-se dizendo que não tivera tempo de treinar muito, pois agora tinha mulher e filho para sustentar, e que por isso estava batalhando aquela colocação, pois atualmente estava vivendo de bicos como personagem secundário em contos bizarros sem pé nem cabeça.
            - Está certo, sem chororô, mostra logo aí o que tu trouxeste pra eu ver!
            Harry Píter não esperou segunda ordem, e preparou o truque que conhecia muito bem. Com um gesto dramático fez com que todos se calassem, e apontou sua varinha mágica para uma senhora inglêsa no meio da platéia, deixando-a paralisada de susto, e murmurou logo em seguida as seguintes palavras:
            - Mui Granafixarum Cumlibros Toscos!!!
            Depois do clarão e da fumaça de praxe, o Mago percebeu que aquele jovem bruxinho era realmente muito bom: a senhora que tinha ido até ali apenas para ver se morria alguém na disputa, agora tinha bilhões de libras em sua conta bancária, o que fez com que prestassem reverência à Harry todos os presentes, exceto o estranho encapuzado.  
            O segundo chamava-se Percí Jéquisson e não se intimidou, pois também era muito bom. Com um gesto dos braços fez com que toda a água dos banheiros químicos usados pela multidão durante o dia espirrasse de volta naquele povo, provocando-lhes novamente enorme reverência, desta vez ao semideus Percí.
            Via-se que o sábio Mago tinha uma dúvida atroz de que dependia o futuro de seu segredo. Como não podia ponderar muito, já que a morte estava muito próxima, resolveu jogar na sorte cara ou coroa, com uma grande moeda de prata que tirou do bolso.
            Mas nesse exato momento, o encapuzado saltou do meio daquela multidão coberta de merda e gritou, jogando o capuz ao chão, revelando as formas maravilhosas de uma morena bronzeada e seminua:
            - Agora chegou a minha vez!
            E começou a rebolar e dançar só de biquíni na frente do velho Mago, e não só ele mas também todos os outros que estavam lá, inclusive o Harry Píter e o Percí Jéquisson, ficaram enfeitiçados. Ela era uma brasileira dançarina de programa de auditório, cujo corpo escultural foi capaz de despertar no sábio Mago uma vontade que ele não imaginava mais existir. Como porém seu médico havia-lhe proibido de tomar viagra, e realmente o remédio mal começou a fazer efeito ele sentiu uma dor no peito, chamou aquela que havia escolhido para suceder-lhe:
            - Venha depressa, aquela pílula azul que eu tomei...
            - Oba! Já está fazendo efeito?
            - Sim, mas parece que é o meu coração que está endurecendo! Venha para o fundo da caverna e chegue o ouvido próximo de meus lábios para que eu possa contar-lhe O segredo...
            - Oh! Não morra sem antes me contar o segredo da vida, do universo e tudo o mais! E não diga que é 23, 72, 21, 666 ou qualquer outro numeral, que eu já sou bem grandinha e não entro mais nessa de piada nonsense.
            - Cale-se, sua parva!  O-o Segredo é... WhiteRose!
            E morreu.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Cada Dia Um Pouco

        Eu posso tocá-lo agora, sentir seu cheiro enquanto ele cola seu corpo suado contra o meu, e me aperta forte depois que se satisfaz. Ofegante, ele encosta a cabeça no meu ombro, e novamente eu sinto o aroma que se desprende dele, de tabaco, incenso e temperos, e fico ali brincando com seus cabelos, enquanto ele relaxa até começar a dormir.
Em menos de quinze minutos ele acorda, por algum motivo espantadíssimo por ter cochilado ao meu lado, como se tivesse tido um sonho ruim. Ele olhou para mim, e eu vi que queria me dizer alguma coisa, estava apenas criando coragem para falar. E continuava mirando os meus olhos, até que não aguentava e me beijava o pescoço, e depois me mordia e me lambia, e eu suspirava, até senti-lo rijo entre minhas coxas. Ele com as mãos separava minhas pernas, então transávamos novamente, desta vez em outra posição. E depois em outra, e mais outra, até que a lua aparecesse  no céu, e eu tivesse que sair:
- Eu tenho de ir embora, marquei de encontrar um pessoal... Queres ir também?
- Não, eu fico de boa. Mas se mudar de idéia eu te ligo...
- Mas e então?
- Então o quê?
- Tu querias me perguntar uma coisa, mas eu fiquei excitada e acabamos esquecendo. Só que agora podes tirar tua dúvida, o que querias saber?
- É bobagem, não é nem uma pergunta! Na verdade eu ia dizer que és uma garota diferente, não ficas perguntando o que eu estou sentindo, e talvez por isso eu tenha tanta vontade de te dizer  o que eu acho de ti e dessa tua maneira de ser comigo, esse gostar com os olhos, enquanto as outras mulheres que conheci, passado algum tempo, só soubessem falar de nossa relação...
- E muda alguma coisa do que sentes ao falarmos sobre esses assuntos? Vamos ter mais prazer no sexo, melhorarão nossos beijos, ou essa conversa será apenas um peso para ambos, tentando desesperadamente corresponder às expectativas um do outro?
Terminei de falar e meu amante me fitava pensativo. Desta vez parecia espantado com a minha resposta; talvez ele nunca tenha se dado conta de que muitas coisas, mas nem todas, podemos dizer para as pessoas que gostamos. Diminui assim os riscos de estragar algo que deve acontecer naturalmente, que talvez desperte no momento certo o prazer que é estarmos juntos. Esse aspecto da nossa vida que só depende de nós, da forma como nos relacionamos com o nosso corpo e com o prazer que ele pode nos dar.
Nós que dependemos do outro, podemos tentar guiá-lo por caminhos pouco explorados pelo vulgo, que não envolvem apenas o óbvio prazer físico, mas que pode chegar próximo de nos fazer sentir a variedade incrível de boas sensações que despertam uma pessoa querida, quando finalmente temos em nosso coração uma vontade sincera:
- Tens razão! Não quero que te sintas presa a mim, e acho que de qualquer forma não te  sentes assim mesmo; só sei que aos poucos vou descobrindo como viver essa coisa que ainda não sei como chamar, e que talvez estejamos vivendo juntos.
- Pensa da seguinte forma: adoro transar contigo, e além do teu corpo estou sim interessada nesta tua cabecinha. Mas não quero que me digas sempre o que estás pensando, toda vez quando estivermos juntos! Combinado?
- Bem, você que manda, então combinado...
- Ainda tens uma camisinha aí?
- Não sei, quer que eu veja nos bolsos da calça?
Como ainda estávamos nus na cama, não foi difícil fazer o que queria com a minha boca no corpo dele, que entendeu com uma rapidez incrível minha intenção, pegando imediatamente de dentro do bolso o pacote de preservativos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Terceira Estória


Várias pessoas estavam por detrás da faixa de contenção, enquanto os jornalistas faziam seu trabalho. Fotos do cadáver sendo tiradas de todas as posições imagináveis. Na certa o fotógrafo procurava um ângulo que desse mais vida à cena; ele não sabia, mas seria aquele defunto a estampar a capa do jornal no dia seguinte, graças a essa luz das seis da tarde que favorece a cor vermelha contra o asfalto. Um cachorro lambia um pouco do sangue que o morto tinha ao lado da cabeça, misturado a pedaços da massa encefálica que haviam se espalhado.
O motorista estava sentado no meio fio, em estado de choque. Tinha os olhos fixos esbugalhados para frente, mas naquela hora não conseguia enxergar nem ouvir nada. Alguns passageiros tentavam atiçar os ânimos para destruirem os vidros do ônibus, mas justo neste instante a viatura policial aparecia dobrando a esquina, fazendo os agitadores se calarem e procurarem afastar-se e ir embora discretamente.
A mulher que chorava ao lado do corpo era gostosa. O policial deu um jeito de chegar perto dela, e roçou-lhe os seios de leve com o braço. Ela percebeu e ficou excitada, pôs a mão na  coxa e levantou um pouco a barra do vestido, para que ele visse melhor suas pernas, olhando para ele com os olhos chorosos, flertando com o soldado que a esta altura já esquecera do seu trabalho.
                      ...
Certo dia, um ano depois:
-Quando você foi embora, tua sombra se afastando, me deixando desesperada, não sabia dos erros e desgraças, de que por fim fui a único culpada! Vivi uma viuvez de sofrimento do teu lado, e como qualquer outra ferida, esta também vai cicatrizar, até que já não seja tão grande a minha dor, a desgraça que me guiou a ser tudo aquilo que eu não era:
-Minha alma também se estragou!
- Me pergunta se eu te amo!
- Grandes merdas esse amor.
- Tu não amas quem te amas?
- Todos amam, se é amor...
-Até quando vais viver essa tua mentira? Eu já perdoei você que não merece; então pôrra, tu estás vivo, para de achar que a tua dor e os problemas do mundo são a mesma coisa, e aproveita para deixar de ser um babaca!
Quando ela falou isso, ele finalmemte escutava o que nunca havia escutado antes. E passou a reconsiderar se em algum momento não tinha se comportado realmente feito um imbecil, como ele aliás tinha certeza de que não era: "Por quê ela acha isso de mim?"
                           ...
Ele chegou em casa e esqueceu de cumprimentar a mulher, que reclamou da falta de atenção dele e perguntou por que ele estava tão distraído, mas ele nem ouviu a pergunta. Jantou mais quieto do que o costume, por dentro se perguntando se na verdade ele é que fôra o errado, e estivesse sempre enganando a si mesmo aqueles anos todos. Se ainda houvesse um pouco de caráter naquela cabeça corrompida, ele talvez ainda duvidasse um pouco da imagem maravilhosa que fazia da própria pessoa:
- Nega, tu achas que eu sou um idiota ou algum tipo de imbecil, por acaso?
- Nego, pra mim és tu que achas que eu sou uma imbecil! Desde a hora em que tu chegastes estás com essa cara de bezerro fugido, então diz logo que hoje tu fostes te encontrar com aquela outra vagabunda! Diz aí, não foi! Tu não prestas...
E jogou o refresco de morango na cara dele, manchando-lhe a farda de um vermelho vivo, como se fosse sangue fresco.