sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Conto Centoemil

Era um daqueles caras que durante certo tempo de sua vida leu bastante, se isso é possível de ser afirmado a respeito de alguém, e como uma criança que de tanto escutar os adultos começa naturalmente a falar, começou naturalmente a escrever contos. Mas com um único porém: embora tivesse um certo domínio da gramática, o que ele definitivamente não possuía era criatividade.
Quando tentou escrever seu primeiro conto, concluiu-o sem ao menos conseguir nomear o único personagem que criara, e o motivo nada tinha a ver com técnica. Ele realmente se sentia incapaz de produzir algo interessante e não sabia o motivo, pois lia tanto e mesmo assim só escrevia estórias toscas. "Bosta! Mas rogo a Deus que me dê toda criatividade que preciso e prometo que amanhã serei outra pessoa!"
E desse jeito Aclépio da Mata deitara-se ao lado de sua mulher, em súplicas,  para que no dia seguinte, qual não seria sua surpresa ao sentir, junto com os primeiros raios da manhã, sua mente em absoluto formigamento de idéias completamente originais para centenas  de contos, fábulas, romances, epopéias e tudo o mais que o Todo-Poderoso tinha-o agora dotado, como fora pedido em suas preces.
Logo depois que acordou rendendo graças aos céus por tal milagre, Aclépio dispensou o café da manhã e foi sentar-se em frente ao computador para não perder tempo e começar a salvar todas essas bênçãos no HD de seu micro. "Pois vai que esse milagre que me foi concedido é só momentâneo e já-já eu me esqueça de tudo! Com essas ideias produzirei dezenas de best-selers e serei mais conhecido que o Paulo Coelho!" , e desatou a gargalhar enquanto sua mulher mirava-o da cozinha, assustada com o estranho olhar com que acordara hoje seu marido.
Quando parou de rir, Aclépio tentou voltar a se concentrar no trabalho. Mas ele apenas tentou se concentrar na primeira idéia que lhe veio, quando houve um lampejo. E no instante seguinte começariam a arrebentar contra seu cérebro mil outras ideias, agitando-se em vagalhões crescentes como os de um mar revolto, que arrastavam seus pensamentos para plagas longínquas, onde ele acabaria por se perder em loucos devaneios com todo tipo de acontecimento, ora absurso, ora fabuloso, ora as duas coisas de uma vez.
Terminaria imerso num mundo louco com suas própias e ininteligíveis regras;  habitado por fadas, gnomos, vampiros, ogros, cavaleiros, dragões, e toda horda de seres em situações maravilhosas e realidades inverossímeis, de onde ele nunca mais conseguiria sair,  até que todos pensariam que tivesse enlouquecido; e onde nem suas mãos, nem a memória sua ou do computador, nem qualquer outra coisa que tentasse fazer e até mesmo a linguagem  humana seriam suficientes para acompanhar.

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