Ele está ali. Mais uma vez põe os sapatos, sentado na cama, levantando o pescoço para que a fumaça do cigarro não irrite seus olhos, apreensivo, nos preparativos finais para sair de casa. O andar é baixo, é possível ouvir que passam poucos automóveis na rua.
Joga o cigarro pela janela, pega do maço mais um e acende, enquanto fica dando voltas no pequeno apartamento tentando se lembrar das coisas que está esquecendo e que vai precisar quando descer pra rua. Não faz nem meia hora que veio de lá. Tinha comprado mais uma garrafa de batida vagabunda, uma carteira de derby, e vinte contos da parada. Ainda têm três cigarros e acende mais um.
Quando passa pela portaria, o porteiro mal levanta a cabeça. No fundo tem pena do vício do homem, da vida que leva, de tudo aquilo que ele no fundo não sabe mas que é pena dele mesmo, por estar vislumbrando aquilo que espera a vida de homem, ainda mais se ele vive só e não tem filhos.
Seu Lauro não sabe disso. Passa pelo porteiro como se não o visse, e na verdade realmente nunca o vê. Não sabe o seu nome e não se interessa em saber; Não dá a mínima pra que tipo de vida leva. Só pensa nessa momento em ir no depósito, pegar mais uma batidinha e uma carteira de cigarro, na volta passando pela boca para pegar mais quatro e voltar para se drogar trancado no apartamento.
- Ôh, meu brother! Por favor um cigarro e uma cana aqui...
Sem mesmo prescisar se levantar de cima do freezer onde dorme, o atendente já sabe de quem se trata. Todo começo de mês é a mesma coisa. Quando ele recebe o salário fica quase uma semana aporrinhando, toda noite, na hora que ele costuma tirar um cochilo. Mas freguês é freguês, e o patrão pagava pra ele a hora extra.
- E aí seu lauro! Mais uma carteira e uma buchudinha?
- E Tira o troco de vinte...
Saiu com o saco preso no pulso pela alça, não podia dar mole pra ladrões, enquanto que com a outra mão segurava o cigarro. Os quinze de troco ainda davam para pegar três; depois disso ele ia dormir, tinha trabalho no outro dia. Tinha várias coisas aliás para fazer no outro dia, e pelo ritmo em que estava não ia conseguir acordar na manhã seguinte.
Chegou na frente da vilazinha que dava acesso à boca, acendeu mais um cigarro e foi entrando. Dois rapazes que estavam na rua sentados se levantaram, atravessaram, e entraram rapidamente logo após, enquanto seu Lauro puxava as duas notas e as cinco moedas do bolso, o boqueiro não gostava de ninguém contando dinheiro em frente sua casa.
Os dois moleques são rápidos, um deles segura seus braços por trás, enquanto o outro revista seus bolsos. Ele larga o saco com a birita e o cigarro, e tenta se livrar do pivete, mas o que está à sua frente saca uma faca da cintura e desfere-lhe vários golpes na barriga, fugindo depois com seu dinheiro enquanto o outro corre com a sacola que ele deixou cair, deixando seu Lauro sangrando deitado no chão, com a mão segurando o ventre.
A dor é muito intensa, queima a pele, mas como se pudesse chegar lá dentro. Por um momento ele imagina se não foram tiros que levou; tenta se levantar e não consegue. Com muito esforço levanta o tronco para sentar-se no meio fio. Não há ninguém na rua: apenas um velho parado na esquina, escondido atrás da sombra dum poste. Seu Lauro tenta gritar para que ele chame uma ambulância, mas tem medo de que o esforço faça-o perder mais sangue.
Por uma sorte inacreditável, ou talvez devido aquela região, embora perigosa, ser próxima ao centro, vêm dobrando a esquina um carro da polícia, descendo a rua na direção dele. Consegue levantar o braço e o carro vai parando, só que alguns metros mais longe de si .
Os policias saem apressados, carregam o corpo de um homem que está jogado no meio do asfalto, põem-no com cuidado no banco de trás da viatura, e depois partem. Seu Lauro fica sem entender nada, enquanto por sua vez o homem parado atrás da sombra do poste na esquina, rindo, começa a se aproximar...
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