terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Visagem


  "Lembre disto: Não esqueça que você é meu servo. Eu o criei para que me servisse."


      Naquela noite, estávamos eu e o meu primo tomando umas biritas na porta de casa. Fazia tempo que minha família tinha aquele imóvel, mas era difícil alguém aparecer por lá, somente na época das férias,  como era o caso. A casa tinha dois andares, espaçosa, mas estranhamente eu não estava me sentindo muito bem lá. Alguma coisa parecia estar pesando no ar, não saberia dizer o que, e o vazio dos cômodos só reforçava essa sensação:
- Caramba! Já acabou a cerveja!
Era o Rodrigo voltando com as duas últimas latinhas da geladeira. Bem que eu tinha dito para pegarmos duas caixas ao invés de uma!
- Mas não esquenta, primo, que eu vou ali ver se o mercadinho tá aberto e trago mais umas geladas...
- Falou! Traz outra caixa então.
Dei a intera do dinheiro pra ele e fiquei olhando enquanto se afastava. O mercado era pertinho dali, então entrei e deixei a porta só encostada, sem trancar, subi para o quarto onde tinha armado minha rede, e deitado comecei a me embalar.
Por causa das biritas, ou porque a manhã tinha sido muito cansativa, fui aos poucos deixando de me balançar e acabei caindo no sono. Foi então que tive um sonho.
Uma moça toda de branco, no meio de um extenso campo que não se enxergava o fim, se chegava para mim enquanto ia chamando meu nome, pedindo que a seguisse para dentro de uma espécie de floresta toda retorcida, muito densa e escura, de onde saíam sons horríveis, como de pessoas gritando para que eu não me aproximasse, choro e ranger de dentes.
Minhas pernas não obedeciam, pelo contrário, quanto mais eu tentava me afastar parecia que a mulher de branco chegava mais perto. Embora seu rosto fosse muito difuso e não desse para vê-lo, ela falava numa língua estranha e me chamava com a mão, até que chegou muito próxima e eu pude perceber que ela tinha os dentes pontudos e saltados para fora da boca, como um tubarão ou sei lá o quê.
Quando ela estava prestes a me tocar, exalando um cheiro muito enjoativo como de flores esmagadas, e dando uma espécie de riso histérico com aqueles dentes todos, eu acordei com meu próprio grito: A rede em que estava estava sendo puxada por um lado, quase tocando no teto, coisa que comigo dentro só poderia ser feito por alguém que tivesse muita força, logo não seria o Rodrigo. Senti minha garganta fechando, não conseguia emitir mais um ruído sequer, e naquele momento de pavor só pude pensar num nome:
- Jesus Cristo...
A minha voz saiu rouca e muito fraca, como a voz de um defunto, se defuntos falassem, mas nesse momento a rede foi como se tivesse sido largada, e eu fiquei encolhido dentro dela só pensando em Jesus e na bíblia, até ela parar de se mexer.
Estava suando frio, escutei os passos do Rodrigo lá embaixo, ele tinha acabado de voltar com as cervejas, e me perguntou como se ele é que estivesse vendo uma assombração:
- Égua, primo, que cara é essa? Estás completamente pálido, parece até que viu fantasma, ha, ha, ha! Vou botar logo as brejas pra gelar!
Ele foi se dirigindo para o freezer, mas alguma coisa fez ele parar no limiar da porta.  Então virou-se, me encarou agora sério, e perguntou algo que no susto eu ainda não tinha notado:
- Tu estás sentindo esse cheiro enjoativo? Parece com cheiro de flores mortas....

Um comentário:

  1. Simplesmente amei teu conto, e é realmente uma pena eu ter lido agora, durante a tarde... Aposto que se fosse a noite, e se eu estivesse sozinha, teria sentido um friozinho na barriga haha.
    Escreves muito bem. Esse é o tipo de conto que esperamos ver em jornais, revistas ou coletâneas. Meus parabéns. Você conseguiu uma leitora que irá acompanhar todos os seus contos.

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