quarta-feira, 3 de agosto de 2011

IT's Time To Begin

"What do you see when you turn of the lights?"

        Adler e eu estávamos saindo da vila para ir ao shopping, era começo de mês e ele queria dar uma volta para comprar umas coisas de que precisava, mas quando olhamos pro céu vimos um avião muito grande, voando baixo demais, parecendo que se esforçava para conseguir altitude. Um olhou assustado para cara do outro, enquanto apontávamos aquilo:
- Cara, saca só, parece que aquele avião vai cair...
O avião continuava descendo, e depois de um último esforço das turbinas para tentar subir, começou a sair fumaça da asa esquerda, fazendo-o adernar para esse lado, após o que ele se desintegraria contra um residencial do outro lado da rua, quinhentos metros à nossa frente. Corremos o que podíamos, pedaços de pedras e destroços eram arremessados e passavam pelo nosso lado. Eu me encolhi embaixo de uma marquise, enquanto Adler tentava com os punhos quebrar os vidros de uma carro estacionado bem na nossa frente, talvez para fugirmos dali, talvez por puro desespero.
Várias pessoas corriam em pânico, todos fugindo da explosão que espalhava uma enorme nuvem de fumaça e chamas ao redor, mas a dona do carro e alguém ao lado dela que devia ser o seu marido ao invés de correrem para salvarem suas vidas, correram apontando na direção de nós, no meio de toda a confusão, gritando:
- Socorro, alguém me ajude, aqueles ladrões querem roubar o meu carro, socorro!
Dentre as pessoas que corriam, alguns marginais aproveitavam para roubar as coisas que todos levavam, aumentando mais ainda o desespero e a confusão; e ao verem aquela mulher gritando resolveram descontar seu ódio atávico em Adler, que nunca fora ladrão, segurando seus braços enquanto se ajuntavam ao redor dele para começar a espancá-lo, enquanto a bagunça generalizava-se: carros e ônibus desgovernados e em alta velocidade atropelavam as pessoas que fugiam pelo meio da rua tentando escapar.
Não sei o que senti, mas nessas horas, onde tudo nos leva a crer que nossa cabeça vai explodir também em meio ao caos, alguma coisa parece brotar em nós, nos dando a serenidade necessária para fazer o que tem que ser feito. Entrei  no meio daquelas pessoas cujo sadismo as havia cegado de salvarem as próprias vidas, segurei firme Adler pelo seu antebraço envolto em uma corda de nailon que não sei de onde aparecera, e disse tentando livrá-lo dos que lhe batiam, com voz de quem é autoridade e não adimite réplicas:
- Soltem ele! soltem ele! Bando de vagabundos, larga que eu sou polícia e ele agora vai preso, vou levá-lo bem ali para a delagacia...
Mas uma das bestas, olhando para mim enquanto os outros recuavam receosos, perguntou com uma expressão diabólica:
-Mas tu és policial mesmo? Então cadê tua farda? E que delegacia é essa que tú vai levar esse cara?
- A farda tá na casa do caralho, filho da puta! Pensa que não te vi aproveitando para roubar também! A delegacia fica naquela vila ali e vou te levar pra lá também se tu quiseres atrapalhar o meu trabalho, seu vagabundo de merda!
Disse isso apontando a vila, de onde havíamos saído antes daquela cagada toda acontecer, e consegui livrar Adler das cordas enquanto ia arrastando-o contra as pessoas vindo desesperadas em sentido contrário.
Alcançamos a entrada, mas as pessoas ali também não sabiam o que fazer e espiavam pelas frestas das portas e janelas, protegidos pelas grades, mas ninguém tinha coragem de sair para a rua. Uma sirene, não sabia se dos bombeiros ou da polícia,já podia ser escutada ao longe.
Paramos na frente da casa dele, mas tinham levado tudo que ele carregava nos bolsos, inclusive suas chaves, então fomos para a minha que ficava quase ao lado, enquanto eu pensava "que péssimo seria se faltasse luz nesse momento", e foi exatamente o que aconteceu: no segundo seguinte, a rua toda tornava-se breu. Tentei tirar do bolso os fósforos que sempre trago comigo, mas não conseguia enxergar absolutamente nada e eles caíram no chão. Enquanto tateava na escuridão, escutava meu amigo atrás de mim gritando meu nome, sem conseguir me ver também. Naquele momento, não se podia enxergar um palmo adiante do nariz.
Finalmente consegui encontrar os fósforos, e quando risquei um, como por milagre, a luz voltou e o mundo inteiro acendia junto.
Olhei em volta procurando por Adler, e notei que estranhamente tudo ao redor tinha ganhado um aspecto diferente. Como encanto, as coisas tinham ganhado formas diferentes, expandido-se, avolumado. Nada mais era como havia sido um segundo atrás. Até as pessoas estavam diferentes e vestindo-se de maneira estranha.          O próprio Adler estava diferente, parecia que tinha envelhecido uns dez anos mas estava bem, com aparência sadia. E  ia entrando em casa dizendo:
- Ei rapaz, que estás fazendo aí fora parado, tu não vens pra cá? Larga esse fósforo, vais te queimar, vamos entrar que eu estou com fome!
Eu fui entrando em minha própria casa, vendo que ela também tinha mudado. A fachada trasmutara-se e estava muito maior; o que antes era apenas um pátio de cimento virara um belo jardim com as flores mais incríveis que nunca vira na vida.  Enquanto caminhava atrás de meu amigo, ia entrando pelo estacionamento ao lado uma senhora de cabelos muito brancos e lisos, que acenava sorrindo para nós. De  alguma forma, eu tive certeza que a conhecia. Perguntei então como ela se chamava:
  -Estás louco rapaz, esquecestes o nome da tua mãe?  Tu estás é querendo me tirar, isso sim. Vá pentear macacos!
Não sei como descrever isso. Naquele momento eu apenas sentia  como se tivesse virado um sonâmbulo durante dez e anos e acordava no futuro, com as pessoas ao redor convivendo comigo sem saber que eu estivera aquele tempo todo simplesmente dormindo, e agora acordava como se tudo tivesse sido um sonho, sem reconhecer as coisas que tinham envelhecido ao redor.
Chegamos na cozinha, que assim como tudo o mais tinha mudado, e enquanto comíamos sanduíches no balcão, contei a ele tudo aquilo. Ele arregalou os olhos, deixou o sanduíche cair no prato, e completamente aterrorizado disse-me, segurando forte em meus ombros:
-Cara! Não acredito! Pois essa noite eu sonhei que você tinha tido exatamente esse sonho, e que quando viéssimos do shopping tu ias me dizer isso exatamente  agora, e depois eu pegava nos teus ombros desse jeito que estou pegando agora, olhava fundo nos teus olhos  e te  dizia bem alto assim antes de acordares:  " Somos a Memória de Deus!".

Um comentário:

  1. Meu amigo, são mais que felizes os que conseguem sacucudir os depositos do inconciente e pôr para fora, tesouros com os quais o conhecimento humano jamais sonhou! Que dádiva é poder pensar e alinhavar os resutados, costurando-os numa trama tão sublime que causa espanto até mesmo no mais habilidoso dos artistas... Maravilha!

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