Os dois cachorros brincavam no meio da rua, mordiam um ao outro, perseguiam-se, pulavam pra calçada, assutavam algumas poucas senhoras que passavam àquela hora.
Seu Manuel do açougue estava servindo uma freguesa, meio quilo de músculo moído e mais um de agulha com osso, tirado o excesso de gordura; e já se preparava para atender Dona Lúcia, que acabara de aparecer na porta com seu carrinho de compras.
Jennifer tinha um salão onde oferecia desde cortes unissex até todo tipo de tratamentos para o cabelo, luzes, mechas, escovas de açaí e chocolate, além de serviços de manicure e pedicure à domicílio, contando para isso com o trabalho de algumas de suas amigas, que empregava em seu negócio oferecendo em troca sempre uma remuneração justa.
Na esquina funciona o Bar do Montanha, onde apenas três caras bebendo cerveja, incluindo o dono do bar, assistiam ao programa de esportes habitual da hora do almoço; e sem mais assuntos que conversar, ficavam apenas respirando calados, vez ou outra levantando um copo, ou se virando para olhar os cachorros que não paravam de correr e fazer barulho.
O sol estava esbraseante como sempre, e o calor era tanto que nem os passarinhos pousavam mais nos fios, preferiam com certeza se esconder na sombra úmida por dentro das copas das árvores. Um carro acabara de aparecer no começo da rua, muito distante, um carro preto que vinha acelerando depois de cantar os pneus. Uma bola cor de laranja voa por cima do muro de um pátio, onde duas crianças brincavam; uma delas abre o portão, e depois de localizar a bola do outro lado, atravessa correndo para ir buscá-la.
O carro passa muito rápido, ouve-se o barulho de um grande estalo e um grito pavoroso. A cor vermelha por um momento tinge o ar, até que some, sobrando apenas o negror da fumaça e o cheiro de combustível queimado.
O Montanha se levantou da cadeira, pôs as mãos na cabeça, e não conseguiu dizer uma única palavra. Os outros dois continuaram sentados e bêbados.
Leidyane e Marlene saíram logo do salão e foram olhar da rua; enquanto isso lá dentro Jennifer quardava o dinheiro do caixa no cós da calça, para também sair junto com suas funcionárias e dar uma olhadinha no ocorrido.
Seu Manuel pedia licença às freguesas para arredarem as cabeças, pois ele estava atendendo atrás do balcão e não poderia sair dali para verificar de perto o acidente. Duas velhinhas pararam na esquina horrorizadas.
Indo naquela velocidade, com certeza o carro preto já estaria muito longe. E daquelas pessoas, a única que chorava era a criança, com a bola laranja no colo. Não porque estivesse machucada. A dor que sentia não poderia ser dor física, pois lhe vinha de fora, através dos olhos que enxergavam um cachorro branco esmagado, com suas vísceras e o sangue fresco espalhados pelo asfalto; sangue salpicado no rosto que tinha um gosto doce como o das flores. Observava também um outro cão, imóvel e triste ao lado do companheiro morto, que mirava a cena provavelmente sem entender nada.
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