Contos em geral, aproveitando a oportunidade da vida dada por Deus, o que gera enormes dúvidas quanto ao destino de cada um frente essa coisa chamada morte. Como um exercício de estar no mundo e de crescimento espiritual, aprendizado e diversão, contribuindo com a construção de uma pessoa melhor consigo mesma e com os outros.
sábado, 13 de agosto de 2011
Parabéns, Meu Pai
Ele entra no bar e olha em volta. Alguns dos velhos conhecidos estão por ali, mas ninguém lhe cumprimenta ou lhe dá atenção. Todos sabem que ele está ali apenas cumprindo seu ritual diário das duas cervejas depois do serviço, e que não gosta de ser incomodado.
Tem apenas sessenta e um anos, embora aparente muito mais. Os cabelos brancos que teimam em crescer apenas nas têmporas, acumulam-se num tufo atrás das orelhas. Há um bom tempo ele não se preocupa mais com a aparência, embora a mulher ainda se esforce um pouco que ele troque de roupas e saia pelo menos limpo de casa. Toma a cerveja que pediu, num primeiro e longo gole de olhos fechados, e depois repara no embrulho que trouxe debaixo do braço, e que está postado à sua frente no balcão.
Aquele bar, embora sempre frequentado pelos mesmos antigos fregueses, que já se haviam habituado à sujeira e pobreza do lugar, estava tornando-se agora um lugar da moda. Por isso, em uma das mesas da frente está um grupo de quatro jovens, dois rapazes e duas moças, que riem e falam alto, tentando à todo custo chamar atenção para si, enquanto conversam suas trivialidades que provavelmente julgam a coisa mais importante do mundo. Antônio não lhes dá atenção. Continua bebendo sua cerveja alheio aos outros, observando com desinteresse o jornal da televisão, anunciando mortes trágicas, corrupções e assassinatos, mas sempre no final colocando uma matéria amena, para preparar os telespectadores para a novela que vem em seguida.
Um dos jovens, o mais falador deles, com sua camisa sem mangas colada no corpo musculoso que ele tem orgulho de exibir para si mesmo, nota o velho solitário e seu embrulho no balcão, e com a coragem típica de quem se aproveita dos mais fracos, resolve tirar um sarro:
- Égua, olha aquele velho! Pelo jeito não toma banho desde que nasceu, o fedor dele tá batendo aqui!
O grupo inteiro ri. Ele também ouviu mas não liga. Faz tempo que parou de ligar pras coisas; hoje não sabe nem se ainda se importa com a própria família, os dois filhos e a mulher. Pede a segunda cerveja e permanece assistindo as notícias banalizadas pelo apresentador, que foi treinado para mudar as expressões de acordo com o que está falando, mas que quase nunca consegue. O fortinho não desiste, e como viu que se tornou centro das atenções dos amigos bêbados, continua a provocar Antônio:
- Ei velho! Sabia que água não é só pra tirar ressaca? Tua mãe não te ensinou a te lavar direito?
"Minha mãe morreu faz tanto tempo..." Pensa o homem, que olhou bem nos olhos de quem disse isso, mais com pena que com raiva: "O que foi feito dessa juventude? O que foi feito do mundo? O que fiz de mim mesmo, com minha vida? Ao menos o que me resta dela..."
Ele desvia os olhos enquanto bebe mais um gole e percebe que a segunda cerveja está no fim, mas não sabe se pede a terceira ou vai logo pra casa. Seus filhos e sua mulher estão esperando, talvez preocupados, mas sabem que ele gosta de beber um pouco antes de...
Antônio não termina o pensamento. Quando novo fôra sargento do exéxrcito, temido pelos seus comandados mais por sua força que por sua patente, mas naquele momento a única coisa que sente é a dor de um soco desferido em seu rosto, que ele não sabe de onde veio e que faz com que ele caia no chão, machucando as costas contra as lajotas tão familiares, do bar que freqüenta ha mais de dez anos:
- Velho filho-da-puta! Tás me encarando por quê? Tás a fim de brigar? Te levanta e me encara, seu safado...
Os outros fregueses e o dono do bar evitam que o fortinho continue chutando-no caído, mas o outro rapaz do grupo se mete e os quatro conseguem sair às gargalhadas do bar, levando junto o embrulho de Antônio enquanto falam obscenidades, até que a uma distância segura, o agressor pára e fala:
- Olha que eu faço com esse saco de merda!
E pisoteia dançando e galhofando no saco de supermercado que ele vinha levando com cuidado. Que tinha custado bem mais que seu salário, e que por isso havia aberto o crediário na loja. O presente que havia comprado para que a mulher e os filhos tivessem o que dar para ele no dia seguinte, dia de festas e carinho com os filhos.
O dia dos Pais.
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Desculpe a demora,problemas técnicos no meu PC. Seus textos são,sem dúvida,muito bons.Conseguem entusiasmar o leitor e fazer com que ele queira mais e mais!Seguindo seu blog e lendo todos os seus contos! XD
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