Contos em geral, aproveitando a oportunidade da vida dada por Deus, o que gera enormes dúvidas quanto ao destino de cada um frente essa coisa chamada morte. Como um exercício de estar no mundo e de crescimento espiritual, aprendizado e diversão, contribuindo com a construção de uma pessoa melhor consigo mesma e com os outros.
domingo, 14 de agosto de 2011
O Pequeno Assalto
Não sei quem primeiro teve a ideia, mas enquanto eu e o Jairo assistíamos o noticiário em casa, na hora em que estavam explicando das quadrilhas que roubavam os caixas eletrônicos com dinamite, meu amigo me cutucou:
- Cara!
- Coé, Badigo?
- Mermão, tá sacando só esse sistema?
- Que sistema?
Ele fez um gesto pra que eu calasse a boca, e ficou compenetrado assistindo o resto da matéria. Quando terminou, ele me explicou que na época em que servira o exército, ficou amigo de um taifeiro que tinha acesso ao paiol, e que ainda falava com o cara, que podia arrumar uns explosivos pra ele e...
- Tás maluco? E sabes tú mexeres com isso?
- Êh, rapá, fica frio! Fácil demais! Eu sei como é: tu acende a parada e fica de mocó, depois que voa tudo pelos ares, é só pegar a grana e sair correndo, igual no jornal!
- Mas e os cana?
- Tou falando, é muito rápido! A gente vai naquele caixa do mercadinho do Simeão, de madrugada, depois a gente sai fora rápido que não vai pegar nada...
Meu brother não tinha nada na cabeça, e pelo visto eu menos ainda, porque acabei concordando. Então a gente passou o resto da noite planejando o bicho do dia seguinte.
Confesso que não acreditei que ele ia descolar as bananas, achava que a estória do taifeiro era papo furado, por isso me surpreendi no outro dia quando ele apareceu com uma mochila que eu nunca tinha visto:
- Caraca! Que pôrra é esssa?
Quando ele abriu o fecho, vi que tinha lá dentro os dois ferros e o pé-de-cabra que a gente costuma usar, além de três canudos compridos da grossura do meu braço:
- Tá na mão! Te falei que eu descolava o negócio? Agora é só ir lá e selar a parada!
No mesmo dia, na hora combinada, duas da manhã, lá estávamos os dois. Forçando a pôrra do portão que não queria abrir de jeito nenhum, e embora a rua estivesse deserta, achei que a gente tava fazendo muito barulho:
- Shhhhhh! Força aí que o negócio tem que ser jogo rápido...
Fez um barulhão quando a gente finalmente conseguiu arrebentar o cadeado. Entramos e meu amigo foi logo tirando a dinamite da mochila:
- Toma aí, põe as três escoradas aí atrás!
- As três?!? Tú tens certeza?
- Claro, pôrra! Tá achando que isso daí é estalinho? Agora rasga pra fora que eu vou acender...
Antes dele riscar o fósforo eu já tinha saído, olhando pra ver se não vinha ninguém atrás da gente, e me escondi atrás de um camburão de lixo. O Jairo veio logo atrás:
- E aí, Badigo?
- Espera só um pouco...
Alguns segundos depois, enquanto tapávamos os ouvidos, fui arremessado contra a parede, com um bando de sacos de lixo caindo por cima de mim e do meu amigo:
- Cacete!
- Puta que o pariu! Botei dinamite demais!
A fachada do mercadinho do seu Simeão, quando vimos, estava completamente destruída. Por pouco não vem o prédio todo abaixo. O caixa eletrônico, que era o nosso objetivo, estava estraçalhado fumegando no meio da rua, e todas as casas num raio de cinco quilômetros tinham acordado com o estrondo e estavam acendendo as luzes:
- Caraca, que merda! Olha!
Apontei pra cima, e do meio da nuvem de poeira e fumaça, eu e Badigo víamos as notas caindo, como se Deus tivesse mandado chover dinheiro. As menores eram de cinquenta, e o dinheiro espalhava-se pra todo lado, enquanto os moradores das casas próxima viam aquilo e saíam de pijamas, correndo para a rua querendo pegar nossa grana.
- Pó pará co'essa palhaçada!
Foi o que disse meu amigo, puxando o ferro da cintura e dando dois tecos pra cima, querendo afugentar aquela gente toda, que achava que tinha ganho nas portas da esperança:
- Tás maluco? Vamos logo dar o fora daqui...
Tentei puxá-lo, mas foi difícil. Meu brother também queria ficar ali acocado, catando dinheiro queimado, até a polícia chegar, o que não ia demorar muito. Ele estava transtornado e não me ouvia, talvez tivesse ficado surdo. Então catei umas três notas de cem nem tão chamuscadas, e saí no pinote, assim que escutei a viatura chegando.
Nunca mais depois desse dia explodi coisa alguma. Continuei no meu ofício de escrunchador, que é bem menos arriscado, embora não dê muita grana, mas dá pra viver. Meu chapa Jairo Badigo pegou oito anos, e eu passei esse tempo todo mandando levar cigarros pra ele no presídio, da marca que ele mais gosta, aqueles de filtro vermelho. Semana que vem, quando ele sair, embora tenha dito pro cara da condicional que estava regenerado, nós vamos sair metendo mais uns bichos por aí, duvido ele recusar!
Porque vocês sabem: malandro não pára. Malandro dá um tempo...
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