quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eram Seis Da Tarde

"Os homens nasceram para cometerem erros. Eu perdôo você. Você me perdôa?"

Figuradas borradas cercavam-lhe, abafavam-lhe o pouco ar que conseguia inspirar, então pressentiu que teria um ataque. Já tivera muitos como aquele na infância, e sabia o quão terrível era enfrentar uma crise  de asma. Fora jogada ali havia algumas horas, e agora estava sendo violentada por aqueles desgraçados de mãos grossas que apertavam-lhe os seios por debaixo da blusa. Se Deus fosse bom, matasse-a por misericórdia naquele instante;  foi o que pediu enquanto sentia os vultos comprimindo-a, tentando abusar de seu corpo de qualquer maneira.
Sua blusa rasgada era atirada ao chão, dentes podres daquelas bocas fedorentas mordiam-lhe violentamente as nádegas, imprimindo-lhe marcas arroxeadas salpicadas de sangue no formato de suas arcadas. O asco tornava-a insensível àquela selvageria. Os miseráveis não poderiam fazer-lhe nada de mal, pois ela não mais se encontrava ali.
Veio-lhe na lembrança a imagem dum peixe prateado e reluzente, a se debater numa relva verde e macia, exibindo os reflexos amarelados do sol em seu corpo coberto de pequenas escamas azuis. Conhecia a imagem que lhe chegava à memória. Fazia tempo que não lembrava, mas sempre recordava este fragmento ao sentir aquela dor aumentando próxima ao coração, alertando-a do acesso iminente da doença crônica que lhe impedia de respirar.
                                                                           ...
Alguém esfregava com insistência a língua áspera entre suas pernas; tentava separá-las com as mãos para alcançar-lhe a vagina. O nojo insuportável aos poucos ia sendo substituído pelo sufocamento que chegava com uma violência inacreditável. Instantes depois debatia-se seminua ferindo os cotovelos no chão de cimento, os algozes de pé em torno dela fitando-na perplexos, sem saber o que fazer.
Ela sentiu a garganta fechar-se completamente, tornando inútil o esforço desesperado de seu belo busto em puxar o ar para dentro. Uma voz distante chegava muito fraca aos ouvidos, não era possível saber o que estaria a lhe dizer. Por um instante acreditou que fossem palavras maravilhosas, ditas pelo seu amor de tantos anos, que tinha vindo até ali para livrá-la do sofrimento, estendendo-lhe a mão num gesto piedoso que ela sorrindo correspondia.
Naqueles últimos instantes, sentiu transbordar em seu espírito a graça de Deus que atendera suas preces fazendo-lhe a vontade. O som que ouvira à distância ficando cada vez mais forte. Escutava agora claramente um gorgolejar, vertia-se do céu uma enxurrada, lavando o telhado daquele barracão e levando junto com a terra e o pó toda a dor e sofrimento de que ela havia sido poupada, como se a chuva lá fora fosse feita das lágrimas que ela vira derramar durante toda sua vida.
                                                                        ...
Quando a chuva termina lá fora, o que se vê dentro do barracão é a jovem jogada inerte ao centro, sombreada pelos três carrascos a balançar nas vigas pendurados pelas  próprias cordas com que a tinham amarrado, sucumbidos à loucura e insensatez do haver brutalizado o corpo da donzela. A morta exibia, principalmente no rosto, as marcas deixadas pelos bandidos, que por puro ódio haviam-na tornado praticamente irreconhecível, sua expressão angelical imersa num coágulo preto que aos poucos começaria a atrair enxames de moscas.

Um comentário:

  1. O limite da loucura humana são seus atos escabrosos. Nestes se manifesta o que de mais cruel se esconde na escuridão da irracionalidade de cada um de nós.

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