sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Dois Barcos

       

          Quando finalmente chegamos à ilha, depois dos quarenta minutos da travessia de barco, nós cinco já estávamos  um bagaço. Sendo que a Júlia e a Carlinha, alegando que não conseguiam andar mais com tanto peso, obrigaram os respectivos namorados, Sandro e Murilo, a carregarem suas coisas também, cerca de dez volumes contando com as mochilas deles:
- Pô, Júlia! A gente não vai passar nem três dias aqui! Por que tanto bagulho tu tinhas que trazer de casa! Não estás carregando nada e estas merdas pesam pra cacete!
Era injustiça do Sandro, a culpa não era da namorada dele e sim minha, que contrabandeei um saco de compras para dentro da bolsa dela sem que ambos percebessem. Afinal de contas, embora seja muito ruim caminhar na areia carregando as coisas dos outros,   todo mundo depois ia precisar comer, e sem o ônus não tem  o bônus. E por falar em ônus, por causa dessa praguejada do Sandro, naquela noite ele e a namorada não transaram. Um com o outro, pelo menos, já que a Júlia não voltou pra casa quando o Sandro desbundou na areia, de tanto tomar birita, puto por brigarem mal tinham posto os pés ali.
O Murilo era mais amigo dele do que meu. Ele não ia um pouco com a minha cara, mas durante a vinda, enquanto eu ia bicando de leve uma garrafa de Sapupara, me pareceu que ele e a Carlinha formavam um bonito casal; mas talvez fosse porque ainda estivessem se conhecendo, ou então já o efeito do álcool no meu cérebro.
Para nossa infelicidade, a propaganda da casa de três quartos que alugamos para o último final de semana das férias devia ter sido feita há muito tempo, pois a foto do site não se parecia nem um pouco com o local em que estávamos agora. E para piorar um dos quartos já tinha sido alugado pelo proprietário, Seu Dionísio,  para um grupo de seis pessoas que eram amigos de um parente dum cunhado dele, e ele não poderia fazer aquela desfeita, embora nós tivéssemos pago adiantado.
- Bem, cês viram o quanto de gente chegou na ilha só hoje, fora os que já estavam desde o começo do mês! Se vocês fizerem muita questão, eu posso devolver o dinheiro de vocês. Só lembrando que não tem mais lugar nenhum aí para alugar, e já me veio um carroceiro perguntando se eu ainda não tinha dois quartos sobrando! E aí, como vai ser?
Depois dessa explicação Dionisíaca, e temendo perder não só um mais os três quartos se a gente exigisse a diferença do que havíamos pago, e percebendo a intenção dos meus companheiros de infortúnio com raiva por terem sido lesados, me antecipei e disse logo:
- Quê quié isso, seu Chico Anísio...
-  É Dionísio!
- Desculpa. Pois é, Seu Dionísio! Deixa essa merreca pra lá! Eu trouxe uma rede, os quartos que sobraram dão pros casais, não esquenta que eu vou adorar dormir no quintal embaixo daquelas árvores ali!
Disse, apontando duas mangueiras próximas que realmente não pareciam um lugar tão ruim quanto o inferno que estava aquela casa, com os outros hóspedes entrando e saindo a todo momento, se multiplicando por dez, tamanha a bagunça que faziam.
Naquela noite, fora a desbundada do Sandro, nada de mais interessante aconteceu, e no outro dia percebemos que havíamos dormido cedo.
Um cheiro de café fresco me acordou da rede na manhã seguinte. A cozinha ficava do lado de fora do bangalô, na parte de trás, onde pude ver que estava uma moça muito bonita, pelo visto era a única além de mim que já havia acordado:
- Posso tomar um copo? Acho que o álcool de ontem ainda não saiu totalmente do meu sangue...
- Claro! Aliás, foi a namorada daquele seu amigo clarinho que me deu o pacote pra fazer. Ela falou que não sabia como aquilo estava nas coisas dela, e me deu também esse saco aqui pra te entregar quando acordasses.
Putz, eram as compras! Houve tanta confusão que eu me esquecera de pegar de volta antes que eles vissem! Mas eu naquele momento estava pensando noutras coisas, então perguntei das pessoas que tinham vindo com ela, se alguma delas não seria seu namorado. Ela percebeu minha intenção e respondeu prontamente, fazendo meu coração pular:
- Infelizmente sim! Quer dizer, o João veio comigo mas a gente brigou ontem...
Pelo visto não só meu amigo tinha se desentendido com a mulher naquela noite. Conversamos mais uns minutos, até que a casa começou a despertar e o tal namorado apareceu, quando eu já tinha terminado meu café.
                            ...
Eu e o pessoal passamos o dia na areia, tomando birita, curtindo as ondas. Olhávamos pro limite do horizonte, onde encontram-se céu e mar, tão felizes me pareceram que deviam já ter esquecido qualquer desavença, e a manhã passou rápida.
Como eu era o único solteiro do grupo, às vezes saía pela vila passeando com minha Sapupara embaixo do braço, conhecendo os caras e paquerando as moças, mas meio sem objetvo, mais para relaxar e curtir do que arrumar algma coisa.  De noite fomos ouvir as bandas de reggae. Dancei com uma menina que depois me deu um beijo, mas todo tempo não parei de pensar em outra pessoa.
O domingo amanheceu chuvoso, mas como era o último dia fui assim mesmo tomar banho na maré, não ia ficar me escondendo embaixo de guarda-chuvas ou árvores. Queria mesmo era sentir no corpo queimado as gotas geladas da chuva; andar a esmo enquanto a maré estivesse baixando, e voltar para arrumar minhas coisas quando enchesse de novo.
Não faço ideia de quanto tempo andei. O sol principiava a dar as caras, em pouco tempo começaria a incomodar na pele. Por causa da chuva fina, tinha saído sem camisa ou protetor solar. Enquanto caminhava, prestava atenção nas ondas, que primeiro se afastam, para  sempre retornarem com toda a força da natureza em seguida. Desse jeito, não havia reparado na pessoa que seguia atrás de mim. Se estivesse na cidade provavelmente  seria um ladrão ou um assassino, mas quando me virei, vi aquela que não me saía da cabeça há dois dias, desde que as circunstâncias nos transformaram em hóspedes da mesma casa:
- Oi?
- Oi. Cadê o teu namorado?
- O João? A gente brigou de novo, eu queria dar uma volta e ele reclamou que estava chovendo...
- Sabes que ainda não sei o teu nome?
- Nem eu o teu...
Ficamos ali os dois. O sol batia em cheio nas costas dela enquanto eu segurava sua cintura, sinuosa, vibrante. O verde do mar e as ondas com espumas brancas de sal, onde nadamos sozinhos e nus. O vento que depois secaria a areia, que colava no suor daquele corpo ágil, doce, com um cheiro enlouquecedor de bicho saudável e limpo.
        Existem pessoas  que depois de uma pausa na vida, vêem-se na obrigação de voltar à rotina. Pessoas que vivem um espírito diferente quando estão num lugar como aquele, longe de casa, com a única obrigação de se divertir, mas que se esquecem de tudo na volta pra cidade, alguns se tornando piores do que já eram.
        Eu e meus companheiros naquele julho, mesmo com todo nosso egoísmo e defeitos, conseguíramos conviver razoavelmente. De nada disso vou me esquecer. Mas a lembrança que eu levo aqui dentro pelo resto de meus dias, daquele final de férias num ano que para mim começou e terminou de forma excelente, foi o nome daquela bela, deliciosa  e atrevida moça:
- Marcela...

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