quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Invasão

          O Henrique olhava lá pra fora debruçado na janela, enquanto eu e o lobão  estávamos sentados no chão, escolhendo alguns dos vinis da coleção dele para rodar. A geladeira estava abastecida de cervejas, ainda não eram seis da tarde, então aquele domingo certamente prometia. Não imaginava o quanto.
- Ei Lobão, Ícaro, chega rápido aí galera que cês tem que ver isso daqui!
Da janela ele apontou para longe, onde havia um brilho distante no horizonte, muito forte pra ser um avião ou satélite, até porque se movia mais rápido que qualquer aparelho conhecido.  O apê do Henrique ficava no décimo andar, então tínhamos uma boa visão do ponto de luz que se aproximava com uma velocidade incrível, e tão rapidamente quanto chegou, parou, mantendo-se atravessado no espaço entre a região das ilhas e a cidade. Um gigantesco artefato, parecendo como que saído de um filme de ficção, que se eu pudesse comparar com alguma coisa conhecida, seria com um porta aviões colossal flutuante, pois pelo que podíamos ver aquilo  não tinha asas.
Olhamos por um momento um na cara do outro, e nós três imaginamos exatamente a mesma coisa, mas ninguém teve coragem de dizer uma palavra. Estava com a sensação mais estranha que já havia sentido, como se estivéssemos presenciando uma invasão alienígena do mundo ou o começo de uma guerra. Senti medo naquele instante, pois vi que repentinamente,  de cima e debaixo e pelos lados, começaram a cair inúmeros objetos menores do principal, pequenas bolas negras dentro da baía do Guajará, por sobre onde se encontrava aquilo que eu agora começava a perceber que era uma espécie de nave mãe, mas completamente imóvel e sem fazer qualquer ruído.
Pairava no ar aparentemente sem qualquer esforço, pois não se ouvia barulho de motores ou turbinas, nem qualquer outro som que a nave produzisse.
- Olha só o quanto de gente está se juntado lá embaixo! Vamos lá perguntar se alguém sabe o que é isso que está acontecendo...
Muito confusos, fomos descendo as escadas junto com vários outros moradores, que tinham acabado de ver  a mesma coisa e estavam apavorados, saindo de suas casas e se aglomerando nas esquinas para ficar apontando pra cima, sem mais o que fazer. Os dois elevadores tinham parado de funcionar, mas ninguém ao menos se lembrava disso.
Fizemos, sem saber que estávamos naquele momento nos despedindo, um acordo de não nos separarmos de jeito nenhum, até que aquela confusão terminasse. Demos as mãos um ao outro, pois em todo lugar se via gente e carros parados, podíamos facilmente nos perder. Todos aqueles que moravam no bairro ou estavam ali por qualquer outro motivo, haviam resolvido se postar imóveis na rua, olhando para cima e cutucando e comentando uns com os outros, pois embora todos estivessem vendo, ninguém queria acreditar. Permaneciam todos parados junto com os carros, motos e ônibus, que também se quedavam inertes, como se estivessem vendo anjos no céu.
Os objetos pretos que caíram no rio Guamá, lá no fundo ficaram, e quinze minutos haviam passado sem que mais nada acontecesse com a nave gigantesca, que estava como quando havia chegado, imóvel e sem ruídos. Apenas o chão, mas podia ser impressão minha, vibrava imperceptivelmente como se um terremoto se aproximasse, e se fosse possível sentir com os pés um terremoto se aproximando.
Perguntei então do Lobão e do Henrique, e eles também estavam sentindo a mesma coisa. Olhei na direção do fim da rua, onde várias pessoas estavam juntas olhando o rio, na escadinha do cais do porto, e chamei a atenção de meus amigos. As pessoas ali estavam se afastando rapidamente, algumas até começavam a correr.
O Lobão largou minha mão primeiro e saiu correndo também. O Henrique olhou pra mim, eu queria falar para ele correr se quisesse, porque era o que eu queria fazer, mas ele esticou o braço e pontou para frente: de dentro da água vi várias formas negras emergindo e esmagando com pisadas as pessoas. Robôs de forma vagamente humana, com cerca de seis ou sete metros de altura, movendo-se muito mais velozmente do que qualquer humano seria capaz, matando  vários dos que ali se encontravam, utilizando agora raios mortíferos que partiam do que seria provavelmente seus braços.
No meio da confusão acabei perdendo o Henrique de vista. Desesperado também, corri pelo meio da praça na tentativa de salvar minha vida. Muita gente caída ao chão, alguns  entravam em pânico e começavam a gritar. Outros ficavam parados, catatônicos, esperando a morte certa. Houve os que tentaram ligar seus carros e não conseguiram sair do lugar, mesmo porque era inútil qualquer veículo naquele momento, tamanho o caos formado, que atravancava a debandada de tantos desesperados em salvar a própria vida.
Os robôs eram muitos e avançavam a passos largos, subindo pela rua e matando quantos pudessem no caminho. Um grupo de loucos apareceu de uma rua transversal, deu para escutar o que gritava, que aquilo era o apocalipse, o fim do mundo descrito na bíblia, antes de serem instantaneamente pulverizados pelo raio de uma daquelas máquinas genocidas.
Não havia jeito de escapar. Conseguira correr bastante, mas eles eram muito rápidos e eu já estava ficando cansado, e num relance vislumbrei alguns metros à frente meu amigo Henrique, que gritava pra mim de dentro de uma loja pra que eu entrasse lá também, antes dos funcionários cerrarem a grade. Porém, no segundo seguinte, meu amigo e as pessoas que estavam com ele e tinham entrado ali para se protegerem, sumiam em meio a uma explosão de fogo e fumaça, atingidos pelo raio que eu vira passar bem de perto, por cima da minha cabeça.
As máquinas não estavam deixando ninguém vivo, cada ser humano e até as árvores e os cães de rua eram explodidos pela arma devastadora, reduzindo a pó e escombros tudo o que encontravam em seu caminho. Eu não conseguia correr mais, os prédios todos estavam prestes a ir ao chão, então não havia mais lugares onde me esconder, nem motivos para continuar correndo. No meio da rua parei e me voltei, fazendo cotocos com as mãos levantadas e xingando todos os palavrões que pude lembrar. Um daqueles monstrengos parou bem na minha frente, apontou-me os dois braços, e eu percebi que no lugar onde em nós está a cabeça, neles havia apenas uma esfera totalmente negra, como o restante do corpo, mas com um único ponto luminoso ao centro.
Era uma minúscula luz azul que brilhava bem no meio, como se fosse um exato e onisciente olho, e que naquele momento parecia dirigir seu facho azulado diretamente para minha testa.

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