sábado, 6 de agosto de 2011

Easy Rider

"Assim, quando viu a totalidade das coisas que havia criado contentou-se; porquê o que havia criado era belo e bom..." (Gênesis)

Lembro do dia em que andei o dia inteiro pelo comércio atrás de alguma coisa que não apertasse meus pés. E já tinha desistido depois de ver que o meu dinheiro não dava. Então quando estava prestes a ir embora, já saindo da loja o moço me gritou:
-Ei! Senhor com licença! Desculpa mas não queres dar uma olhada num quarenta e três?
Me voltei e era o rapaz que tinha me atendido. Na minha idade poucas pessoas gostam de dirigir-se a mim, no mais das vezes para perguntarem as horas. E no restante dos casos, é sempre gente tentando me vender qualquer coisa, quase sempre uma porcaria! Quando não os que se aproximam para me roubar...
-Olha só, está há um tempão no estoque! Mas é só um número maior que o seu, mas o senhor pode comprar umas meias que a gente também têm na promoção!
Tinha passado a tarde inteira batendo perna pelo comércio e adjacências, atrás de um tênis confortável. Odeio dizer isso para mim mesmo, mas cada vez mais os calçados sociais vem  incomodando meus pés! Na minha juventude era moda usarmos o tênis All Star cano longo branco. E era esse que o também jovem vendedor vinha-me oferecer agora:
  -Leva pro senhor! Ou pro seu filho! O preço de etiqueta é cem reais mas eu faço um desconto pro senhor, se for no débito ou de uma vez no cartão!
       O rapaz me mostrou um tênis All Star, daqueles de cano alto, algodão crú, o de minha maior preferência. Olhei o tênis minuciosamente como costumo fazer, e não encontrei nenhum defeito. Ignorando-se o fato de ser um número maior do que o meu; ignorando também o fato dos cordames me fazerem perder um bom tempo para amarrá-los. Sem esquecer que já estou velho demais para usar All Star cano longo cor de algodão cru.
          Enquanto o rapaz tirava a nota, olhei bem para aquele All-Star. Tinha um exatamente igual durante minha juventude, e lembrei-me de quanto que um daqueles itens era tão cobiçado na época. Tanto que você tinha de matar o contrabandista que vinha da Guiana, se quisesse conseguir um.
        Eu tenho um filho que amo. E eu sei que pode parecer piegas, mas naquela hora lembrei-me dele, com quem não falo já há muitos anos. Consegui um bom desconto e só paguei cinquenta reais. Mas um cara do meu lado que tinha visto tudo que eu tinha falado pro vendedor; e que fez questão de olhar pra minha carteira enquanto eu tirava as únicas míseras cinco notas de dez, disse enquanto pagava pra caixa em que estava sendo atendido:
       - Égua! Eu nunca que ia comprar um presente prum filho que eu nem vejo esse tempo todo, se tivesse só essa merreca no bolso!

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