sábado, 20 de agosto de 2011

Noites de Maleita

       Era por volta do meio dia  e eu não aguentava mais aquela secura na garganta, aquela sensação de que tenho um punhado de areia na boca, toda vez que eu engulo. Peguei  a carteira de identidade e o cartão do plano de saúde que o governo me obriga a comprar dele, mesmo que eu não queira ou não use. De qualquer forma aquela era uma boa oportunidade de fazer jus ao dinheiro gasto. Nem me lembrava da última vez que tinha me voltado aquele problema da garganta. É como dizem: da nossa saúde a gente só lembra quando está doente.
Peguei o ônibus e uma hora depois estava numa fila, esperando que uma mulher anotasse o número do meu cartão e me desse uma senha:
- O que o  senhor têm?
- É a minha garganta, eu quero falar com um clínico.
- O que o senhor têm na garganta?
- Olha, minha amiga, eu só quero falar com um clínico porque eu sei como é esse negócio da minha garganta, eu só preciso de uma receita, me faz esse favor?
Agradeci a compaixão da atendente, guardei a porcaria do papel no bolso e me sentei ao lado de uma senhora que estava assistindo tevê. Não demorou muito e apareceu o código da minha senha no placar eletrônico(?) e eu fui procurar a sala 26A, onde se daria a tal consulta. Estava sentindo um pouco de frio embora tivesse o corpo quente, o que era sinal evidente de febre. Mas eu sabia exatamente o que era aquilo; desde pequeno que venho sofrendo com inflamações na garganta; já tinha tomado vários antibióticos, que curam por um tempo, mas após alguns anos isso sempre volta. O que fez um médico dizer uma vez para mim eu tinha de extrair as amídalas, se quisesse nunca mais ter esse problema.
A médica que me atendeu parecia mais nova que eu. Entrei e depois que eu sentei ela perguntou:
- O senhor que é o seu Pedro Ferreira?
Respondi que sim e ia começar a descrever os meus sintomas, quando ela esticou a mão por cima da mesa e pegou na minha testa. Largou e começou a rabiscar uma receita e dizer, sem nem ao menos ter olhado minha garganta ou ter ouvido o que eu tinha pra falar:
- Olha, senhor Pedro, você toma esse remédio daqui a cada doze  horas, durante cinco dias, que você vai ficar bom.
- Mas doutora, eu queria que você por favor...
- Ah, como não! Já ia me esquecendo, olhe só!
Falou pra mim como se estivesse seguindo um roteiro de comédia mal feito e fosse uma péssima atriz. Enfiou a mão por debaixo da mesa e puxou de uma gaveta um vidrinho com três pílulas dentro. Mandou-me estender a mão e falou sorrindo, como se tivesse acabado de fazer um gesto de caridade e com isso salvasse mais um pedacinho da sua alma para o paraíso:
- Toma pra você, é amostra grátis!
Peguei o vidrinho e a receita que ela terminara de assinar e carimbar, agradeci e saí, daquela que com certeza tinha sido a consulta mais rápida da minha vida. A médica mal pegou na minha testa, só fez ler o que estava escrito no papel dela, que além do meu nome só tinha aquilo que eu tinha dito para a atendente que me dera a senha. E eu não sei o que ela imaginou que eu  ia falar quando prescreveu o remédio, talvez os sintomas de uma doença raríssima que busquei no google, mas pra fazer eu calar a boca me deu a amostra grátis. E o mais incrível é que funcionou.
Voltei pra casa e tomei a pílula, e enquanto tentava fazer alguma coisa no computador, pareceu que a tela começou a flutuar e tremer. As imagens nela mexiam-se  quando não era para estarem se mexendo. As teclas dançavam sob os meus dedos, as paredes se afastavam e pareciam querer cair em cima de mim. Levei a mão ao pescoço e vi que estava pelando de febre, delirando e batendo o queixo feito um lunático.
Saí de casa parecendo um zumbi. Sei que era de noite e fui andando na direção do ponto de ônibus, imaginando como poderia conseguir um táxi pra chegar mais rápido, com apenas vinte reais no bolso. Foi aí que vi um cara com uma camiseta escrita a palavra 'mototaxi', encostado numa moto ligada. E não sei se devido à pressa ou ao delírio, fui lá, dei o endereço do lugar e perguntei quanto era.
- Dez real.
- Bora!
Peguei o capacete que ele me deu, subi na garupa e acho que em menos de quinze minutos a gente chegou, mas eu não estava muito em condições de contar o tempo. A febre parecia aumentar sempre, faltava pouco para que meus miolos cozinhassem dentro da cachola. O rapaz pegou minha nota de vinte, olhou pra minha cara, olhou de novo pra nota e falou que não tinha troco. Depois falou pra eu não esquentar que ele ia bem ali na esquina trocar e depois voltava. Subiu de novo na moto, deu a partida, e nunca mais o vi. Como além de roubado não queria acabar morto, resolvi entrar para nova consulta.
- Minha nossa! Pedro  Ferreira, o que foi que aconteceu?
Ah, agora ela queria saber! Por coincidência era a mesma médica que me atendera mais cedo, que ficou alarmada quando me viu entrar na sala dela com o lado direito do pescoço tão  inchado quanto vermelho. Agora sim ela me atendeu direito, perguntou meu histórico, me mandou abrir a boca, etc, e depois mandou me aplicarem uma injeção e um soro, não sem antes dobrar a dosagem da mesma medicação que havia me passado. Só que agora de oito em oito horas.

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