terça-feira, 19 de julho de 2011

Olvidado o Passado, Nada é o que Resta

 "A gente devia se matar na adolescência, quando as coisas ainda são bonitas..."


    Em algum lugar, urdem-se as tramas do fado com fios que são a nossa vida, que há de ser entrelaçada por entre muitas outras num trabalho inabalável e perpétuo,  e a composição resultante é tão bela, vasta e complexa e repleta de pequenos detalhes que é impossível de ser abarcada por olhos humanos, seu motivo revelando-se unicamente pelos olhos do Criador.
Fazer o bem apenas para si, embora pareça egoísta, é bom de qualquer forma por dois motivos: 1) Fazer o bem para si, mesmo que cause um mal a outrem, é neutro porque as consequências opostas do ato tornam-no nulo; 2)Fazer o bem para si quando isto também faz bem ao próximo não só é bom, como é bom em dobro. E foi pensando nisto que Jessé se resolveu de uma vez por todas terminar o namoro de quase um ano com Fernanda.
Ainda amava-a? Jessé não sabia. Já ha alguns meses moravam juntos e logicamente que se criara entre ambos uma espécie de ritual com que viviam agora a se tratar, comportando-se ambos como duas crianças birrentas e mimadas. Era esta uma postura absurda e irracional, que encobria seus olhos de enxergarem a realidade que deveriam enfrentar;  o veneno lento e corrosivo do tédio, aquilo  que lhes incomodava e acabaria por deixar aquela situação finalmente insuportável.
A rotina engolira-os com todos seus pequenos problemas cotidianos;  o relacionamento finava amortalhado pelas miudezas comezinhas que costumam vitimar duas pessoas quaisquer que resolvam repartir o mesmo teto, sem conhecer as idiossincrasias e manias um do outro, a saber, o que o gênero humano conseguiu criar de mais fino e sofisticado no terreno da aporinhação entre gêneros.
  "Não faz isso comigo não, bebê, não me deixa meu bebê, por favor...", e novamente Nanda deixava os soluços e fungares avolumarem-se e tomarem-na completamente. Nesses momentos, a voz doce que costumava ouvir derramar-se suave feito óleo perfumado daquela garganta, principalmente quando feliz ela ria, o que Jessé ouvia agora enquanto olhava-a inexpressivo parecia-lhe algo como um mugido irritante, às vezes entre grave e histérico.
E além dessa situação que incomodava-o profundamente, sentia-se cada vez mais irritado , só não sabia ainda que consigo mesmo, por estar completamente alheio ao sofrimento de Fernanda, impaciente e incomodado de estar ali. Graças ao drama não tinha conseguido ainda oportunidade de explicar à ela que sua decisão fora tomada para o bem dos dois, ao invés de algo unilateral da parte dele, pois o que parecia uma decisão benéfica apenas para ele naquele momento, certamente seria boa pra ela também no futuro, deveriam era parar com aquelas cenas cansativas por causa dum inferno que chegava ao fim, uma época cinzenta que instantaneamente passaria a fazer parte dum passado remoto.
Jessé matutava em várias dessas idéias, aquilo já lhe acontecera doutras vezes. " Esta é uma reação perfeitamente natural apesar de um pouco exagerada, daqui a pouco ela vai  se acalmar e então eu dou um abraço, ajudo ela a se limpar, se quiser tomar um banho vai, mas com certeza tem que tirar essa blusa manchada."
Então finalmente ele não se incomodaria mais e teria toda a paciência do mundo em explicar, até que ficasse bem entendido na cabeça dela, o quão ótimo seria eles estarem se deixando sem mais nem menos depois de praticamente um ano morando juntos. E assim que ela entendesse seus motivos talvez no íntimo até o agradecesse, mas Jessé sabia que ela não daria o braço a torcer nem se ele fizesse o bem triplo ou quádruplo ao invés de duplo; ou quem sabe poderiam mais tarde comemorar a separação, por que não?  Chamando os amigos como faziam logo que se mudaram para aquele apê, mas só depois  da Nanda se acalmar, ela que naquelas alturas ainda tremia jogada de bruços sobre a cama, vertendo muitas lágrimas e catarro com sangue sobre o travesseiro,  ao invés daquelas risadas puras e cristalinas as quais Jessé tanto gostava de lembrar.

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