Ética, certo, errado, relativos."
Amai o próximo como amas a ti mesmo.
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Alguns relacionamentos começam e terminam quase por acaso e, da mesma forma que sim, também não dependem da nossa vontade muitos dos fatos e atos do cotidiano. Exemplo é apaixonar-se, na maioria das vezes apenas para ter certeza de que não ia dar certo mesmo, justo com pessoas cujo comportamento tende a tornar-se cada vez mais imprevisível ao longo da união,algumas chegando até a surtar, ao contrário do que julga o senso comum de que o tempo de convivência desvenda-nos aos poucos os mistérios do outro. Nesta forma de compromisso é que, há quase um ano, Jessé e Fernanda viviam, embora desde o clima que rolou entre eles quando se conheceram numa festa, até assumirem o namoro frente aos amigos, ninguém apostasse uma ficha na felicidade do casal, devido às marcantes características de personalidade e exigências do ego de ambos.
Jessé achava que o problema deles viverem brigando seria devido à eterna implicância de Fernanda, de forma mesquinha tentando controlar sua vida, mas fazendo o que bem entendia sem nem se importar com as necessidades dele; e toda vez que estavam juntos ela teimava em discutir a relação, o que invariavelmente terminava em descontrole generalizado, gritos histéricos, copos quebrados, cinzeiros espatifados, portas batidas com estrondo e alguma ou outra luxação, além da aporrinhação do peso na consciência depois.
Nanda achava Jessé um cara muito egoísta e misógino e não fazia nada nunca para tentar agradá-la; andava por aí com um bando de piranhas além duns rapazes que aparentemente não teriam bom futuro, e quando ela perguntava "Por que você está fazendo isso, destruindo nosso amor?", ele enfezava-se de vez, e xingava e esbravejava, dizendo que não gostava de conversar embora ela adorasse falar, então ela arremessava um copo ou cinzeiro ou o que estivesse à mão nele, batia violentamente a porta atrás de si e ia chorando de ódio pela rua, querendo chegar rápido em casa para afundar a cara vermelha no travesseiro, tão sofrida que às vezes sentia dó dela mesma.
Na hora do sexo não era diferente. A ânsia com que haviam buscado-se anteriormente não mais existia, e era até com certo enfado que agora uma vez por semana, sábado ou domingo, se entregavam ao ato resignados, um mais entediado que o outro, sendo mais visualmente notado este fastio em Jessé do que em Nanda, ao estarem nus, o que obrigara-o nos últimos tempos a tomar meio comprimido azul nos fins de semana ao deitar-se ao lado da mulher, para que esta não desconfiasse de amantes que ele infelizmente não tinha, embora a maioria de suas amigas e das dela fossem umas piranhas que costumavam transar com homens comprometidos todo o tempo sem o menor remorso.
O nó górdio, o "xis" da questão, seu ponto nevrálgico, o grande busílis, el punto fijo, o resumo da ópera, etc., era que nenhum dos dois, por qualquer motivo, queria terminar aquele relacionamento estacado em terreno pobre e infértil, num torrão de onde o melhor agricultor não faria brotar mísero pé de planta, muito enganando-se o fado ao promover o infeliz encontramento destas dessemelhantes criaturas.
E a estória poderia prolongar-se, contar sobre a causa inesperada que interveio no destino de ambos, pondo-os separados desta vez para sempre sem chance de volta, o que decerto lhes faria grande bem. Sobre como fenômenos aparentemente singelos podem ser o moto que faltava para desencadear uma avalanche, transformando irremediavelmente nossas vidas, para o bem e para o mal. E do porquê as pessoas terem tanto medo de ficar sozinhas, medo atávico de envelhecer sem alguém ao lado, mas sabendo de antemão que a viagem última que nos espera não admite acompanhantes, pruma dimensão onde nossa inteligência não alcança, que também não sabemos onde ou se fica realmente em algum lugar.
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