Quando conheci-a não sabia ainda o que era amor.Ainda hoje não tenho certeza de que sei, mas guardo com carinho a lembrança daquela época de inocência perdida; de quando ainda encontrava pessoas boas; de quando enxergava nos outros a maldade sem saber ainda o que era o mal; de quando achava que podia ler no rosto de alguém o seu caráter ou a falta dele, coisas que apenas o impuro sabe, por ter na fisionomia e no corpo as marcas de seu próprio passado. A inocência de quem não se sabe inocente justamente por ter apenas o futuro e a própria história para ir seguindo num caminho só de ida, do jeito de quem olha para trás e a única coisa que vê ainda é a infância recente, e tudo é novo no mundo.
Talvez o nosso tenha sido verdadeiramente o grande amor, o primeiro e talvez único amor. Angustia-me saber que tudo aquilo se perdeu. Mudamos os dois, eu certamente para pior, já sem a inocência daqueles primeiros anos quando quero ainda encontrá-la em outra pessoa, e sei que hoje em dia é impossível para mim, falso e hipócrita que sou, chafurdando num cinismo louco de aleijado que finje não ser repugnante o braço que falta.
Mas naquele tempo as manhãs eram belas; a luz do sol era diferente, as cores guardavam-se vibrantes e presentes. Tínhamos o viver ameno de quando a gente imagina as coisas boas que ficam na lembrança, e cada vez que lembramos mais belo parece. Mais felizes e completos e amantes éramos um do outro; e todas as palavras podiam ser ditas, e por maior que fossem as tolices, menos eram porque assim a gente achava que devia ser, e ávidos nos entregávamos para viver o outro dentro de si. Era assim que as coisas aconteciam.
Ela linda e fresca como a fruta madura cujo sumo escorre pelas mãos e desce pelo pulso, então sujando meu rosto me beijava, e ali ficávamos os dois rindo e se beijando, olhando o pôr-do-sol na beira do rio, e continuávamos a sorrir, ela seu sorriso de leite e mel, eu desconhecido do que acontecia no resto do mundo; e tudo estava certo porque a vida era assim e certamente não podia ser de outro jeito, os planos desenhados na areia branca com a ponta de uma vara ou um dedo do pé, convictos de que tudo ia dar certo, tão simples e natural.
Mas como foi rápido. Passou depressa embora para nós fosse uma eternidade tudo que acontecia. Como então as coisas se precipitaram e a gente sem perceber foi mudando cada vez mais rápido, as cores se tornando opacas, cruas como são na realidade. E essa realidade que ao nosso redor girava e não ousava entrar, agora se imiscuía e me devastava e me corroía por dentro e por fora. Então sem perceber veio a indiferença, não da tua mas de minha parte, que o tempo se encarrega destas coisas, ensina-nos a mentir e a sermos mesquinhos, sacanear os outros. O prazer tornava-se volúpia, a saudade de ti tornada desejo sensual do teu corpo, a liberdade ao teu lado em culpa, pois eu já te culpava por não me enganares, por não te tornares má também! E assim eu me aprisionava no escuro até não conseguir lembrar da luz, e me afundava e apodrecia cada vez mais, sem que soubesses.
Sei que fomos felizes, e sei que valeu a pena pela memória que guardo. De toda vez que pensava em ti e lembrava o teu rosto, de quando me vinha aquela pontada e eu fechava os olhos, de uma dorzinha no peito boa de sentir. Quase como a que acaba de me vir agora.
Pergunto: Por que algo tão lírico e tão eternizado pelos poetas, faz doer dores inesistentes trazendo sofreres tão crueis e angustias tão sinistras que enlouquecem os mais lúcidos e os levam a atos tão extremos de desespero? AMOR!!! O que é isso realmente? Boa semana caro amigo.
ResponderExcluirme transportou pro universo deles... lindo, lindo!
ResponderExcluirNossa, ótimo! Perfeito! *__*
ResponderExcluirAdorei...
acho que parece comigo essa mocinha... ai ai... mcoinha
ResponderExcluirQuem sabe o autor já não tenha conhecido essa garota... há alguns anos, inesquecíveis para mim.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBonito o texto, assim como os outros que li aqui. São contos realmente promissores e agradáveis de se ler. parabéns
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