sábado, 30 de julho de 2011

Brian, o Atrasado

Brian da Silva vivia mansamente sua vidinha na pequena cidade onde morava. Sua namorada, depois de muito brigar com ele por causa das crises de alergia que deixavam-no vermelho como um tomate maduro, justamente nos dias em que ambos costumavam se encontrar, optou por acabar de vez com o namoro, mudando seu status no facebook para solteira, coisa que ele só viria a saber uma semana depois, já que não tinha computador em casa e odiava lan-houses.
Brian, depois de estranhar a ausência prolongada de telefonemas da namorada e o fato do telefone dela só cair na caixa postal quando ele ligava,  resolveu entrar no facebook de um amigo em comum, pois ainda não tinha o seu, e constatou o que vocês já sabem, que o namoro já findara há muito, e ainda por cima ela estava "conhecendo melhor" um tal de "Dick23", que ele não poderiia dizer se era feio ou bonito, porque  
em todas as fotos só aparecia metade da cara do campeão, com uma mecha de cabelo preto alisado caída pela testa tapando um olho.
Como eram inúmeras as coisas que desencadeavam sua alergia, e talvez a presença de sua atual ex-namorada fosse uma delas, começou ele a espirrar feito um cachorro tuberculoso, ficando instanteneamente todo vermelho e se debatendo qual um epilético tendo uma crise em meio a uma descarga elétrica, o que pareceu muito engraçado ao seu amigo ao lado, que via tudo e começou a gargalhar:
-Quá, quá, quá, quá, quá... Que bestalhão! Vai Brian, pára de cena, já sei o que tu vais fazer, vais dizer que por uma coisinha à-toa dessas não vais na entrevista de emprego. És mesmo um vadio, quá, quá, quá...
Lembrou-se então que às duas da tarde daquele mesmo dia, tinha uma entrevista marcada no erreagá da melhor empresa local, uma multinacional instalada no último andar do único e recentíssimo arranha-céu da cidade, de onde partira o chamado para uma vaga num ótimo posto de trabalho, que se ele conseguisse bastaria para tirá-lo da lama de vez, pela enormidade dos vencimos e facilidade do serviço.
Então, recordando todo o amor e carinho que dedicara à atual ex no passado; das promessas feitas à mãe de que tudo faria para um dia ser alguém na vida e dessa forma honrar sua memória; lutando contra as contrações musculares, os espasmos nervosos e também uma urticária terrível que faziam-no coçar-se até sangrar; espirrando feito um porco asmático com resfriado, Brian decidiu ir do jeito que desse para a tal entrevista.
Foi para casa tomar um banho que pôs-lhe o corpo em brasa, já que de tanto coçar-se sua pele virara uma chaga só. Vestiu sua roupa mais vistosa, que não era necessariamente a mais limpa, já que ninguém lhe daria emprego trajando bermuda e camiseta, ainda mais numa multinacional. Enfim, ajeitou-se como pôde. Pegou uma caixa de lenços de papel para estancar a coriza incessante que lhe escorria do nariz, embora felizmente tivesse parado de espirrar. Com um pouco de talco disfarçou a vermilhidão da cara e dos braços, perguntassem qualquer coisa diria que tinha passado um final de semana na praia e foi-se embora: "Seja o que Deus quiser".
E talvez Deus não quisesse tanto  assim, pois logo que pôs os pés fora de casa, armou-se e caiu em questão de segundos a mais torrencial das chuvas que jamais havia visto na vida, com muito vento e relâmpagos, como a dizer-lhe "fica em casa, Brian", num improvável exercício sinestésico de elementos sabidamente inanimados.
Mesmo assim ele não desistiu: meteu por dentro da blusa o pífio currículo, que testemunhava sobre os oito anos que levara para completar o ignóbil curso universitário que outros terminavam em apenas três; além dos cargos subalternos que ocupara em empresas de porte nenhum, que faliam misteriosamente após meses sem pagar-lhe o salário; e saiu correndo para não se molhar muito, o que era inútil, em direção à parada de ônibus que ficava à cinco quarteirões de onde morava.
Como nenhum gentil motorista quisesse parar o coletivo dando-lhe portunidade de embarcar sem fraturar algum membro na tentativa, decidiu-se por chamar um táxi, já que também faltavam poucos minutos para a hora marcada. Contou suas moedas embaixo de uma marquise, e quando convenceu-se que tinha o bastante para chegar em seu destino, estando prestes a levantar a mão para o caso de passar algum carro desocupado, qual não foi sua surpresa ao sentir um objeto contundente a pressionar-lhe as costas, e uma voz carregada de ódio e fedendo a cachaça, dizendo-lhe ao pé do ouvido para entregar os pertences: "Perdeu playboy, perdeu, não olha pra minha cara não, senão tu levas uma furada".
Era de se esperar que neste momento Brian desistisse do emprego e de tudo o mais, voltasse derrotado para casa amaldiçoando a dia em que veio ao mundo, e fosse tratar da saúde após uma manhã tão atribulada, mas não foi o que aconteceu. Ele, como que para contrariar o mais racional dos prognósticos, buscando forças do fundo de uma insuspeita teimosia, decidiu que fosse o que fosse, nem que alguém tivesse de morrer, chegaria na droga do arranha-céu e deixaria lá ao menos o currículo ensopado, pois já havia perdido a hora.
Por sorte(?), naquele exato momento um caminhão parava no sinal ao lado dele, que não pensou duas vezes: tomou impulso e atirou-se para dentro da caçamba, indo pousar em cheio em um monte de excrementos, pois não percebera  a tempo tratar-se de um caminhão de transporte de gado, o que ocasionou-lhe nova crise de espirros.
Agora era pessoal. O caminhão seguia lento por causa do temporal, mas ia na direção certa. Após meia hora, já era possível divisar nitidamente os contornos do prédio contra as nuvens cinzentas que afinal começavam a dispersar-se. Ele começou então a pensar de que forma pularia daquela caçamba fedorenta sem estropiar-se
muito quando chegasse o momento certo, mas não precisou dar-se a esse trabalho. No instante seguinte o caminhão colidiria violentamente contra uma kombi, arremessando-o até estatelar-se no asfalto a muitos metros de distância, com as duas pernas quebradas.
Mas desistir? Nem pensar! Catou pelo chão molhado o que havia sobrado do currículo e tentou arrastar-se até a entrada do prédio, que estava apenas a alguns metros de distância, quando foi interrompido por um par de canelas peludas que barravam-lhe a passagem.
Era o motorista da kombi, com um bastão de baseball numa das mãos e um soco inglês na outra, que naquela manhã havia pego a mulher chifrando-o com seu melhor amigo e, depois da batida, vendo que ele também estivera no caminhão, não estava necessariamente com o que se pode chamar de bom humor.
Depois de ser desancado sem dó nem piedade pelo estranho durante alguns minutos até que a raiva do dito cujo abrandasse, Brian, com uma força tirada sabe-se lá de onde, finalmente chegava à entrada do arranha-céu, apenas para ser  informado de que passavam das seis da tarde e que, pelo menos naquele dia, o expediente já havia encerrado.

Um comentário:

  1. oi, Augusto, passei pra dá uma olhada no seu blog. É bem legal. E olha eu não escrevo contos como você. Ah e eu sei que meu nome é complicado mesmo rsrsrsrsrs. Abração.

    Edwillames Santos
    Do livroemrevista.blogspot.com

    ResponderExcluir