quinta-feira, 28 de julho de 2011

Comportamentos Mesquinhos

Fazia quase três anos que dividiam o mesmo teto, Igor e Bruna, que era praticamente o mesmo tempo em que se conheciam. Quando foram apresentados por amigos em comum, não falaram, mas ambos sentiram no peito uma pontada macia, dolorosa, mas de alguma forma boa de sentir, como se a pessoa à nossa frente tivesse estendido mãos invisíveis e tocado suavemente em nosso coração. A paixão fora tão intensa que em menos de um mês já estavam morando juntos, para espanto dos conhecidos e pasmo dos pais.
Lutaram no começo contra algumas dificuldades, claro, mas sempre que depois de um dia inteiro na rua econtravam-se de noite a sós, na casinha que tinham alugado, e começavam a fazer amor deliciosamente no colchão comprado com dinheiro emprestado  da mãe de Bruna, o mundo todo desaparecia e sobravam nele apenas os dois.
Os pais, que a princípio se mostraram contrariados quando eles foram morar juntos, acabaram aceitando a situaçao, frente ao impulso do casal. Inclusive depois foi a mãe de Bruna uma das que mais ajudou certa época em que a barra pesou, passando então a visitá-los amiúde.
A única coisa que Igor e Bruna não sabiam, ele trabalhando tempo integral e ela fazendo estágio de manhã do curso de direito que frequentava à noite, era do maior problema que enfrentariam quando aquela loucura inicial passasse: a chegada do tédio. Eles começariam então a imergir naquela monotonia da vida a dois, que alguns chamam de rotina, a cada dia mais e mais fundo...  

  Coisas Que Bruna Odeia Em Igor:
-Sabe quando te perguntam algo já sabendo exatamente a resposta, só para puxar assunto, mas na verdade sem querer ou muito querendo só encher o saco? 
ex: O feijão tá temperado? (sendo que passou a manhã toda cozinhando exalando cheiro de carne-seca e alho pela casa toda). 
Resp:  Prova lá e me responde tú... (dá vontade de mandar na lata).
-E quando a pergunta é feita porque ele quer dizer que a comida tá ruim? (e e ele cozinha tão mal que outro dia fez sopa de limão com peixe fedorento e ainda me  disse que tava bom...)
ex: Hum, mas parece que tá faltando sal.. (e o pai dele tem pressão alta!)
resp: Então enche de sal no teu prato e vai morrer prá lá...
-Mas sabe quando a desgraçada preparou a comida com todo o cuidado, lavou as panelas e a louça dele do almoço,secou a pia, ainda vem o infeliz dizer que move uma palha aqui em casa, pra mim que virei praticamente uma doméstica: 
ex: Mas o fugão tava todo sujo e eu limpei ele hoje de manhã...
resp: Que infelizmente foi a única coisa que fizestes...
-E quando essa pessoa, que não move uma palha aqui dentro, resolve fazer qualquer merda para não ficar para trás? Pôrra, olha esse pensamento mesquinho, "pra não ficar pra trás". Sábado passado eu tive de ir resolver umas coisas de manhã, vim pra almoçar, e advinha quem tinha feito uma cagada na areazinha aqui detrás, deixando tudo cheio de terra pela casa toda?
ex: Olha, môô, reclamastes que tava suja a área, então limpei metade (lógico que a parte mais fácil), joquei no lixo e botei pra fora, olha!
resp: Grandes merdas, porque agora cagastes todo o resto e não sou eu quem vai limpar essa porra toda! 
-É foda, a gente na melhor das intenções e neguinho fazendo disputinha de merda, em vez de tomar vergonha na cara e mudar de atitude; pelo menos parar de fazer as coisas sempre com uma intençãozinha filha-da-puta por trás. Porra, que saco, o país não vai pra frente nunca assim! Muda essa mentalidade, homens do Brasil! pelamordeDeus! E no fim das contas a gente ainda oferece a outra face! É dose!

Foi quando Bruna postou na internet esse manifesto cotra Igor, na sua página do facebook, que os dois perceberam que a relação tinha chegado ao fim. Até a eterna reconciliação pelo sexo não mais funcionaria agora. O convívio diário entre duas pessoas apaixonadas, se não forem tomadas as atitudes certas desde o início, pode ir aos poucos reduzindo esse belo sentimento ao desprezo mútuo. Naquela noite Bruna disse que não queria transar só porque tinham brigado; disse que já estava de saco cheio daquilo tudo, e no dia seguinte ia voltar para a casa dos pais, pra dar um tempo e decidir o que ela ia fazer dali por diante.
Igor também não insistiu muito, não estava mesmo querendo foder; já não tinha mais aquele tesão que sentiu muito forte em Bruna, logo que a conheceu. Agora, nas noites em que ainda se buscavam, era somente pensando no corpo de Júlia que transava, com os olhos bem fechados, para lembrar-se do rosto da jovem e gostosa amiga, mais doce e bonito que o de sua mulher, de quem sem saber por quê enjoara um pouco.    


5 comentários:

  1. Sabe o que mais me encantou? Essa sua liberdade expressa na maneira como escreve. Meus escritores favoritos escrevem/escreviam assim, sem se importar com o-que-o-leitor-vai-pensar, se é certo ou não, se vão te prender ou não por ter a ideia que tens. Isso é muito bom, mesmo. Traz a realidade rapidamente para a mente de quem lê. Saboroso se envolver em texto assim, parabéns.

    Vou logo ler os teus outros.

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  2. Olá!
    Obrigada pela sua visita no Red Rose. É sempre muito bem vindo. Minhas postagens são longas pois trata-se de um livro inteirinho que estou disponibilizando para os meus leitores. hahaha.
    Gostei da história do Igor e Bruna. Continue assim!

    Bloody kisses!

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  3. adorei. Mas monotonia é um troço que acaba com qualquer coisa, principalmente, relações

    http://anavalquiria.blogspot.com/

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  4. a leitura é um prazer; mas a escrita é um dom.
    Você sempre escreveu muito bem porque escreve coisas do cotidiano, coisas simples, sem importância aparente. Uma folha que cai, um olhar desapercebido, um copo d'água bebido devagarinho, etc

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