sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um Conto de Vampiros

(com primeiro movimento - Allegro con brio - da 5° Sinfonia de Beethoven)


Meu nome é Edgard d'Brie e sou um vampiro. Como todos os vampiros, não tolero alho, cruxifixos nem a luz do sol. Por isso bebo sangue humano, já que na época em que fui criado pelo meu mestre, há cerca de duzentos anos na Transilvânia, não existiam restaurantes que não pusessem alho na comida, que não tivessem um cruxifixo pendurado na parede em cima do caixa ou que servissem os clientes depois da meia-noite, que é a hora em que tenho mais fome. Como agora.
Passei anos em que vaguei por todos os cantos da Europa. Vi nascer na Inglaterra a revolução industrial que viria mudar o mundo. Testemunhei a Revoluçao Russa ao lado do próprio Lênnin, que me confundiu com um proprietário de terras; coisa que minha aristocrática família humana realmente era, embora hoje não tenham mais terras e apenas negociem ações na Bolsa.
Fui para os Estados Unidos enquanto o continente europeu era devastado pela ofensiva nazista durante a Segunda Grande Guerra, e achei que seria o meu fim, pois todas as cidades Americanas possuiam esta incômoda luz artificial. Que não era fatal mas que deixava meu corpo sem forças, incapaz de perseguir minhas presas para satisfazer minha sede insaciável, coisa que à muito custo consegui contornar, ao me dar conta do alto grau de desenvolvimento da indústria cosmética daquele país, de onde até hoje, aqui do Brasil, mando vir meu protetor solar fator 10.000, o que me permite atualmente até tomar banho de mar quando vou à praia, já que o produto não sai na água, além de ser antialergênico.
Chegui neste país atraído pelo clima alegre e tropical, que muito me agradava quando ainda era vivo. Foram nos anos cinquenta, uma época de ouro,  da malandragem autêntica e da vida boêmia de que tanto sinto falta atualmente. Quando era possível sair todo vestido de preto e envergando minha capa sem ser chamado de emo ou louca por causa disso.
Mas durante minha longa morte sem descanso, descobri que o que é bom dura pouco, então veio o golpe militar e novamente eu tive de me esconder. Foi somente por volta de 1985 que vislumbrei a oportunidade de recuperar novamente todo o meu antigo poder. O regime acabaria e um velho chamado Tancredo iria assumir o controle do país, e tudo o que tinha de fazer era pegá-lo a sós no dia da posse e assumir sua forma, com um truque que me ensinara um amigo meu, o Saci.
E lá estava eu escondido na sala presidencial no dia da posse. Podia ouvir a multidão reunida lá fora gritanto, e já imaginava o meu próprio nome sendo zurrado por aquelas pessoas que seriam minhas escravas; um país gigantesco sob meu comando para que pudesse dispô-lo ao mel bel-prazer. Só que algo deu errado.
O velho que seria empossado, mal sentou na cadeira e foi logo direto pro hospital, sem que eu tivesse ao menos me aproximado, juro. Achei aquilo muito estranho, e meus séculos de experiência não me enganaram: Alguém tivera a mesma ideia que eu e planejava segurar as rédeas do país, o que eu não poderia deixar. Logo descobri que era uma armação do vice, o Sr. Zé Sarney, que inclusive era um vampiro também, mas não tão poderoso quanto eu. E assim então revelei-me e contei meus planos de poder e glória, e disse que para tanto precisava matá-lo, e foi o que fiz, assumindo em seguida sua forma. Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha!
E já se vão mais de vinte anos desde aquela época em que larguei a presidência mas não o poder. E até hoje tenho causado ódio entre meus pares, a maioria vampiros, duendes, gnomos, elfos, lobisomens, et caterva, que invejam minha longevidade política. Venho sobrevivendo à tudo, desde escândalos de corrupção até acusações de falcatruas diversas, graças ao sangue deste povo já nem tão alegre, que me mantém e me manterá ainda para todo o sempre, Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha-Ha...

2 comentários:

  1. Há algumas semanas você tinha comentado minha resenha de “Diários do Vampiro 2 – O Confronto”, e me convidou a ler esse conto, mas só agora tive tempo, D:!

    Nossa, a sua história estava caminhando para ver o vampiro se alimentando, e ele se transformou no José Sarney, muito criativo! Achei que foi uma ótima analogia, rs! Li escutando a música de Beethoven e ficou muito mais interessante! Enfim, gostei bastante do conto.

    Beijos,
    http://lereconhecer.blogspot.com/

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