quinta-feira, 24 de maio de 2012

A Noite Mais Escura



        O centro fervilhava de gente: carros, ônibus, vendedores ambulantes, poeira, fumaça, mendigos e tudo o mais que fazia parte desse formigueiro cotidiano; tamanha correria sem o mínimo objetivo; animais numa gaiola objetos de um estudo nonsense.
        Quantas pessoas passam por minuto por essa esquina? Quantos carros tem final ímpar e de que cor eles são? A que horas cai a chuva e qual a influência do atraso pluvial no crescimento das mangueiras? Quantos de nós somos negros, quantos são brancos, azul, verde ou amarelo; quais são as cores de quem vive nesse Brasil?
        As coisas sempre no lugar: em tal praça reúnem-se os drogados, os vermes e os párias; bem ali próximo ficam os bares e boates da moda; acolá tem a programação que faz a festa dos envolvidos na tal cultura alternativa, tentando diferenciar-se dos outros, evitando ao máximo contaminar-se com o que julgam ser o veneno onipresente da mídia.
        Noutro canto da cidade, em qualquer beira de rio, encontra-se quem não quer mais saber dessa sociedade hipócrita, desse falso bom-mocismo, dessa mania de bajular quem está por cima e pisar quem anda por baixo, gente sem caráter e sem moral, gente que se acha o centro do mundo.
        No fundo a maioria não vê nada um palmo além do nariz, preocupados com qualquer coisa sem importância, feito viciados que só pensam no próximo trago: "foda-se a humanidade e me arranja um fósforo, que acabou de apagar essa porra."
        Pode ser da classe a, b ou z, banqueiro, comerciante, traficante, ladrão; a maioria passa a vida fingindo ser o que não é sem ao menos saber, fora os que se enganam conscientemente ao reconhecer a própria babaquice; os frustrados por qualquer motivo; os que já passaram da idade e os que ainda não chegaram lá; os que acham que sabem tudo e aqueles que tem a certeza de nada saber; os que só olham para o próprio umbigo, mas terminam cegos.
        Pois um cego não pode ver o pôr-do-sol. Evita andar na rua sozinho, mesmo acompanhado de sua bengala. Tem inveja daqueles que podem enxergar e destroem suas vidas por puro comodismo, e acaba pensando:
        "Como pode os que tem o privilégio da visão serem geralmente os últimos a se dar conta disso? De que foram divinamente abençoados, mas fazem questão de fechar os olhos para a beleza do mundo e da vida, em cada ato, encontro ou despedida?"

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