sexta-feira, 25 de maio de 2012

Vôo Noturno




        Uma coisa assim estranha, um formigamento, uma tremedeira, e no minuto seguinte meu corpo era arremessado violentamente pala janela, arrebentando galhos de árvores e antenas, telhas e vergalhões, cobrindo-me a pele de rasgos. Eu sentia o gosto de sangue na boca, prestes a rebentar os cornos no chão de piçarra da rua, mas ante a desgraça iminente tive um pensamento que me atirou vertiginosamente para o alto.
        O vento era tão forte que não consegui abrir os olhos.
        Um vento desconhecido conduzia meu corpo retalhado cada vez mais alto, cada vez mais para cima, o medo fazendo tremer cada fibra, impedindo de organizar o pensamento.
        Olhei para baixo e estava tão alto, mais tão alto, que tive medo de morrer.
        E finalmente parei, flutuando naquela imensidão, naquela noite fria, daquela altura onde podia ver as ruas cortando a cidade, pontos luminosos, brinquedos de criança, as avenidas principais à distância iluminadas como se fosse o Natal.
        Não sentia mais dor. O vento frio anestesiara os membros, devolvendo o contole dos movimentos, e nesse momento tornei-me consciente do que estava acontecendo: por um milagre, podia voar.
        Bastava um pensamento e viajava vertiginosamente para onde queria, numa velocidade tão grande que me arrancava lágrimas dos olhos; eu poderia ir mais rápido se quisesse, passeando por cima da cidade adormecida, descendo até a periferia, sobrevoando a região mais escura das matas ainda não devastadas, perseguindo um avião que havia acabado de decolar do aeroporto.
        Depois com outro pensamento eu alcançava quase instantaneamente o centro da cidade, de longe vendo os prédios e as pessoas lá dentro atrás das janelas, protegidas daquele vento frio: se não subisse novamente seria capaz de me chocar contra as árvores que faziam tanto barulho naquele lugar, soando como o último suspiro de uma natureza perdida, agora distorcida entre ruídos e gritos agudos feito vidro estilhaçado.
        Então o medo da queda me fez desejar subir novamente o mais possível, percebendo que a aventura iria acabar, ali a mais de mil metros de altura, repentinamente fiquei parado, sobrevoando a Baía do Guajará:
        "O que está acontecendo, porra! Se eu cair dessa altura, mesmo sobre a água, vou morrer, caralho!"
        E comecei a cair.
        E cada vez mais rápido, mais próximo do fim, tive um último pensamento:
        "Acorda!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário