segunda-feira, 14 de maio de 2012

Dos Que Desejam Mal Pros Outros



        Bastava uma coisa: comparecer diariamente e sempre dar o melhor de si, ajudando a fazer as coisas funcionarem, mesmo não tendo idéia de onde ia parar naquele movimento todo, aquela gastura tremenda, como se após a batalha do dia-a-dia não tivesse direito ao mínimo descanso.
        Feito um peixe em águas desconhecidas, cuja ausência de pálpebras impossibilita fechar os olhos para dormir, nadava pela correnteza da vida.
        Então quando o sono acumalado vinha, uma pisacada virava um atraso; um cochilo e você acordarva no fim da linha, com o cobrador cutucando teu ombro:
        -Figura, acorda! Chegamos na garagem, desce logo...
        Talvez o cara não tivesse feito por mal, mas vai saber. As pessoas gostam de prejudicar os outros, principalmente aqueles doentes do juízo e de pobreza mental tão grande que só se sentem bem ao ver a desgraça do alheio:
        -Pôrra cara, muito obrigado por me cutucar agora, mas já perdi o horário do trampo mesmo, então me deixa em paz que eu vou continuar dormindo.
        -Êh, rapá, pensa que estás na tua casa? Pois vi desde a hora que subiste no carro e sentaste aí para dormir! Pois se perdeu o ponto, o problema é teu...
        -Meu amigo, só seu fosse sonâmbulo para descer dormindo! Acho que foi de sacanagem que esperaste chegar o fim da linha pra me acordar, pelo único prazer dessa tua vida de merda de ver os outros se foderem, então sai fora e não me enche o saco! Ah, e vai tomar no cú, antes que eu me esqueça de meter um pipoco nessa tua cara de feladaputa!
        Levantando a camisa mostrou o cabo do trintaeoito. O cobrador deu dois passinhos para trás, pois estavam apenas os dois no ônibus.
        O rapaz trabalhava como segurança fazia tempo, já tinha matado um ou dois vagabundos, andava armado só para proteção pessoal, com  medo do que pudesse acontecer com ele e com sua família, mas nunca teve tanta vontade em atirar alguém como naquele dia, nesse miserável que se traveste de trabalhador, mas que mentalmente não passa de um bandido. Pela atitude do cara via-se que não prestava:
        -E sai da minha frente, pôrra! Sai logo, desgraçado!
        O cobrador rasgou fora, deixando cair pelo caminho moedas e notas, saiu correndo apavorado.
        Ainda meio estremunhado de sono, o rapaz catou no chão do coletivo exatamente o valor da passagem que havia pago, dois reais.
        Desceu para o asfalto, bocejou, olhou pros lados, até encontrar a parada mais próxima, onde poderia esperar pelo ônibus que levaria-o de volta para casa naquele dia perdido de trabalho.

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