quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Dia Em Que Foram Felizes



        Acordou como quem acorda toda manhã, ainda cansado do dia anterior, mas com disposição suficiente para perseguir o que fosse, como se o ânimo nunca fosse esgotar.
        Nem ele sabia como, talvez apenas por hábito, mas cada aurora era um recomeço.
        Batiam pela terceira vez o cadeado no portão.
        Levantou-se em meio ao sono, na semivigília, semidesperto. No começo imaginava estar sonhando, mas quando saiu do quarto e viu a moça prestes a ir embora, sentiu uma falta de ar nos pulmões; piscou os olhos, não tinha palavras naquele momento. Sem se dar conta do inesperado despertar, a moça sorriu:
        -Oi, desculpa te acordar.
        -Desculpa nada, já estava acordado, foi mal eu te fazer esperar.
        -Estavas dormindo, isso sim! É a terceira vez que eu bato, quase vou embora pensando que não estavas aí.
        -É que esse é o único quarto onde não dá para ouvir cada barulho da rua, deixa eu te mostrar.
        Mostrou o quarto, que mais parecia uma caverna, em vários sentidos.
        Então a moça quis tomar um copo d'água por causa do calor, mas ele ofereceu café:
        -Queres só água mesmo?
        -Onde tem café?
        -Ainda vou fazer.
        Ela preferiu a água tirada do garrafão, a única bebida fria naquela casa onde vivia-se sem geladeira, como na pré-história. Aliás, poderia estar vivendo em qualquer lugar, sem água encanada, sem geladeira, saneamento básico ou o que fosse, não importava, pois quase nada tinha importância.
        Há dois dias sabia que ela vinha e no fundo lamentava não ser melhor anfitrião. Beijou seus cabelos, abraçou-a, sentiu o cheiro da mulher tão linda então arrependeu-se da má postura; embora desconhecesse os bons modos, ao menos procurava não comportar-se feito um animal.
        Ofereceu-lhe a água num copo limpo, pediu licença que ia tomar um banho e escovar os dentes, mas só depois que entrou no banheiro percebeu que havia esquecido a toalha. "Foda-se". Saiu ainda pingando, enquanto vestia a bermuda.
        A moça achou graça, aí ele disse:
        -Traz o copo, vamos subir.
Depois de conversarem o suficiente, mais ou menos uns cinco minutos, tiraram a roupa e se amaram, então foram felizes.
        O rapaz desceu para fazer um café, quando subiu de volta ela fumava um cigarro que tinha enrolado, ainda nua na cama:
-Não ficou igual aos teus, mas dá pro gasto.
-Deixa eu te mostrar como é que faz...
Tirou o cigarro de suas mãos e beijou-a, depois se amaram novamente.
E ao menos naquele instante como para sempre, estiveram felizes.

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