sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Televisão

     Permaneceu bom tempo sentada, cansou-se da posição, mexeu-se na cadeira, observou mais um pouco os passantes e os automóveis, mexeu-se de novo entediada, por fim levantou-se e foi beber um copo d'água. O telefone tocou e ela precipitou-se em atendê-lo:
- Alô? Não, aqui não mora nenhum Maurício.
Engano. Difícil alguém ligar, nem sabia por quê ainda mantinha aquela linha ativa. Bem, a assinatura cabia no orçamento, e tinha direito ainda a cem minutos todos os meses. Podia telefonar moderadamente para alguns programas interativos, e às vezes quando a solidão era muito grande, distraía-se ligando para o disque-piada.
A chuva dessa vez caíra no fim da tarde, e já estava afinando para cessar de uma vez. Voltou a sentar-se na beira da janela, numa espécie de varanda, e observava a paisagem oferecida por sua rua: o ronco dos carros, o movimento apressado de alguns transeuntes conduzindo seus guarda-chuvas, as gotas caindo cada vez mais finas e espaçadas. Alguns pássaros atrasados passavam perdidos de seus bandos, e pousavam nos galhos repletos de outros periquitos, na samaumeira  centenária na praça que ficava defronte sua casa.
Naqueles bancos acompanhara várias histórias, assim imaginava. Casais que se conheciam e depois de muito tempo vinham terminar o namoro ali, às vezes sentados até no mesmo banco, mas muito diferentes de quando o amor era apenas uma promessa. Viu aquela moça dos cabelos vermelhos e o rapaz de óculos, que ao contrário da maioria, tinham continuado firmes no  namoro, e que agora costumavam levar o filhinho para brincar naquela mesma praça.
Todas as coisas que fazia na vida não tinham aparentemente sentido algum, mas não percebia ou não se preocupava com isso. na verdade, nem sabia mesmo para quê estava viva, e sua grande vantagem era existir sem perceber isso, pois assim era-lhe possível viver sem inquietações, embora ela sempre desejasse ardentemente um grande amor. Mas nunca ter perdido um grande amor era quase melhor do que ter amado, e isso fazia-a quase feliz.
Os sinos da igreja começavam a tocar, na certa sem outra função que não dar as horas. Sem qualquer outro pensamento na cabeça, fora a sensação de lembrar apenas o segundo anterior, virou-se para dentro, pegou o controle remoto e ligou a televisão.
No momento em que começava a abertura da novela.

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