segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vamos Lá Frank!

            (Obs: O personagem deste conto tem comportamentos absolutamente normais para o universo fictício no qual habita, onde as coisas podem até parecer estranhas e absurdas aos nossos olhos, mas verossímeis no contexto em que se passa a estória)


            Firmino Matos escrevia contos pessimamente, principalmente quando abusadamente utilizava-se de gerúndios adverbiosamente, interminavelmente até o fim da frase, que chegava lentamente. Foi por isso alvo das críticas de alguns morfolexícólogos desocupados, que ao invés de ler as estórias que escrevia, preferiam catar-lhe os erros de português, como um macaco a catar os piolhos do outro.
            O Sr. Firmino concordava que estava longe de ser um Dalcídio Jurandir, conterrâneo seu de quem se dizia ter confeccionado os melhores livros daquelas imensas terras, pois se dependesse do pobre contista, nem de longe tal mérito seria ameaçado. O que era a mais notória verdade, do que nunca ninguém havia dito nada em contrário.
            As protoestórias que compunha não passavam de piadas contadas em mau dialeto brasileiro, utilizando todo tipo de lugares-comuns e frases de efeito e chavões e repetições e enumerações sem vírgula, sendo impossível de continuar assim.
            Sem o menor zelo em tentar disfarçar sua estultice, punha-se a fazer apontamentos desinteressantes e sem sentido no cabeçalho do que escrevia, ficando evidente a  ausência do mínimo talento para sequer desenvolver um enredo crível em quarenta linhas, forçando sua imaginação e vocabulário reduzidos a expelir como solução uma espécie de prólogo inútil.
            Em seu último texto, Firmino Matos esforçou-se até para juntar as palavras de forma limpa, com honestidade e sem galicismos, mas sentia-se como sempre traído pelas próprias forças, que sabia serem apenas insuficientes para o trabalho a que se propunha.
            Embora lesse muito e roubasse ideias de outros autores, chegando até algumas vezes a plagiar autores clássicos descaradamente, na ingenuidade de supor que os leitores seriam tão ignorantes quanto ele, foi finalmente pego certo dia. Tinha acabado de adaptar uma passagem do Sr. Pickwick e já ia postar como se fosse sua, quando o fantasma de Dickens apareceu-lhe, que como é sabido, costuma aparecer para atormentar a vida de quem comete mais este crime contra o direito autoral e o respeito humano. 
            - Teus dias de larápio acabaram, Firmino Matos, pois vou te levar para o inferno agora!
            - Me deixa fazer um último conto...
            - Mas é o último, hein?
            E assim, naquela sua linguagem tão manjada e simplória, fez o que pôde: os dois únicos personagens representando o choque entre presente e passado, numa tentativa de imprimir ao enredo algo do patético e patológico drama humano, que podia ser analisado sob diversas formas, mas ele não era capaz de se decidir por nenhuma. Todo o tempo escrevendo como que permeando o texto por um sarcasmo mordaz, sem nunca agradar os críticos, arrematando o raciocínio tosco com um regionalismo barato, feito o égua que era.
            - Terminou? perguntou-lhe o etéreo e enfadonho Dickens.
            - Acabei. E o que acontece agora?
            - Só isso aqui... 
            Então simplesmente apertou a tecla "delete".

Um comentário:

  1. Engraçado... Tenho a impressão de que gosto mais dos contos "surrelistas" deste blog.
    Adorei as referências aos maravilhosos Dalcídio Jurandir e Charles Dickens!

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