quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Terceira Estória


Várias pessoas estavam por detrás da faixa de contenção, enquanto os jornalistas faziam seu trabalho. Fotos do cadáver sendo tiradas de todas as posições imagináveis. Na certa o fotógrafo procurava um ângulo que desse mais vida à cena; ele não sabia, mas seria aquele defunto a estampar a capa do jornal no dia seguinte, graças a essa luz das seis da tarde que favorece a cor vermelha contra o asfalto. Um cachorro lambia um pouco do sangue que o morto tinha ao lado da cabeça, misturado a pedaços da massa encefálica que haviam se espalhado.
O motorista estava sentado no meio fio, em estado de choque. Tinha os olhos fixos esbugalhados para frente, mas naquela hora não conseguia enxergar nem ouvir nada. Alguns passageiros tentavam atiçar os ânimos para destruirem os vidros do ônibus, mas justo neste instante a viatura policial aparecia dobrando a esquina, fazendo os agitadores se calarem e procurarem afastar-se e ir embora discretamente.
A mulher que chorava ao lado do corpo era gostosa. O policial deu um jeito de chegar perto dela, e roçou-lhe os seios de leve com o braço. Ela percebeu e ficou excitada, pôs a mão na  coxa e levantou um pouco a barra do vestido, para que ele visse melhor suas pernas, olhando para ele com os olhos chorosos, flertando com o soldado que a esta altura já esquecera do seu trabalho.
                      ...
Certo dia, um ano depois:
-Quando você foi embora, tua sombra se afastando, me deixando desesperada, não sabia dos erros e desgraças, de que por fim fui a único culpada! Vivi uma viuvez de sofrimento do teu lado, e como qualquer outra ferida, esta também vai cicatrizar, até que já não seja tão grande a minha dor, a desgraça que me guiou a ser tudo aquilo que eu não era:
-Minha alma também se estragou!
- Me pergunta se eu te amo!
- Grandes merdas esse amor.
- Tu não amas quem te amas?
- Todos amam, se é amor...
-Até quando vais viver essa tua mentira? Eu já perdoei você que não merece; então pôrra, tu estás vivo, para de achar que a tua dor e os problemas do mundo são a mesma coisa, e aproveita para deixar de ser um babaca!
Quando ela falou isso, ele finalmemte escutava o que nunca havia escutado antes. E passou a reconsiderar se em algum momento não tinha se comportado realmente feito um imbecil, como ele aliás tinha certeza de que não era: "Por quê ela acha isso de mim?"
                           ...
Ele chegou em casa e esqueceu de cumprimentar a mulher, que reclamou da falta de atenção dele e perguntou por que ele estava tão distraído, mas ele nem ouviu a pergunta. Jantou mais quieto do que o costume, por dentro se perguntando se na verdade ele é que fôra o errado, e estivesse sempre enganando a si mesmo aqueles anos todos. Se ainda houvesse um pouco de caráter naquela cabeça corrompida, ele talvez ainda duvidasse um pouco da imagem maravilhosa que fazia da própria pessoa:
- Nega, tu achas que eu sou um idiota ou algum tipo de imbecil, por acaso?
- Nego, pra mim és tu que achas que eu sou uma imbecil! Desde a hora em que tu chegastes estás com essa cara de bezerro fugido, então diz logo que hoje tu fostes te encontrar com aquela outra vagabunda! Diz aí, não foi! Tu não prestas...
E jogou o refresco de morango na cara dele, manchando-lhe a farda de um vermelho vivo, como se fosse sangue fresco.

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