quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um Conto Bêbado

  O dente enfim parou de doer. Depois de tomar sozinho uma garrafa, até uma hérnia pararia de doer, quanto mais um dente cariado. A visão já estava bem borrada, os braços dificilmente obedeceriam, e se tentasse se levantar certamente se esborracharia no chão.
A cabeça não tinha mais nada, apenas uma substância informe, impregnada pelo álcool, sangue e sujeira, entremeada de pensamentos liquefeitos. Tontura. Ânsia de vômito. A baba do engulho descendo pelo canto da boca e melando a camisa manchada. Todo verme morre e se conserva no álcool, mas aquele estava vivo, e se destruía.
Seus companheiros da antiga, quando o encontravam na rua, evitavam-no. Quando os surtos amiudaram-se, foi o prenúncio para que até os mais chegados o abandonassem, até que restasse apenas um, que um dia finalmente foi embora.
...
-Mas cadê a lata que tava aqui? Agora cadê o pilo? Ah, então tá bom.
O cubículo tinha um bico de luz amarelada no teto, suspenso por um fio elétrico torcido remendado com fita isolante. O chão de madeira estava cheio de baganas e palitos queimados e restos de papel e pedacinhos de plástico e mais todo tipo de lixo, e num canto tinha um colchonete encardido, onde estava jogada uma criatura embriagada.
À direita, um velho ou não, baixinho, estava batendo o isqueiro e tentando acertar o cachimbo, chupando os beiços, com a cara toda sebenta e torcida, os dedos vermelhos pelo esforço e o olhar nervoso de quem já tinha fumado muitas paradas naquela noite.
No lado esquerdo dois 157, cada um com sua cabeça de dez e seu cachimbo, já esquentando a droga na colher que tinham trazido, mas todo o tempo interrompendo o trabalho para olhar para a entrada do barraco.
A porta se abre e mais um elemento, menos esculhambado que os outros mas também bêbado, entra e se joga do lado do baixinho, fazendo barulho e levando uma encarada de um dos 157, que cutuca e fala alguma coisa pro outro.
Ninguém tem tempo de fazer nada quando a polícia entra e leva aquela escória, deixando apenas o verme do colchonete, podre demais para ser tocado.

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