domingo, 29 de abril de 2012

A Cidade e o Estado



Movia-se lentamente, mas quem aproximasse os olhos notaria tratar-se apenas do efeito de conjunto; vista isolada, era como movimentassem-se ali, todos os dias, cerca de um milhão e meio de pessoas; trabalhando, passeando, estudando, exercitando, bebendo, fumando, transando, drogando, amando.
        Mas a maioria era como a cidade: arrastava-se por entre montes de sujeira e entulho, talvez confiados que algum dia aparecesse quem botasse na rua um asfalto cobrindo os buracos; passasse cal no muro e no meio-fio da calçada, só que ao invés disso eram atacados por onças e jacarés. Enfim, queriam um serviço público equivalente ao preço cobrado pelo governo, mas a maioria da população achava desnecessário preocupar-se disso.
        Interessante o desenrolar das teorias que poderiam justificar a mais ampla gama de atitudes, desde a completa imobilidade até a neurastenia: o Estado era Leviatã; se Maomé não ia até a montanha, a montanha viria à Maomé; Deus escrevia certo por linhas tortas e faz por ti que Eu te ajudarei.
        Tinha quem prometesse ir todo ano na corda do Círio, de joelhos! Um outro disse que ia distribuir sopa pros famintos. Menos aquele que a renda atual não permitia.
        -Égua, véio! Mas se eu compro por cinco tenho que vender a déiz, falou?
        Assim funcionava o nosso pensamento: tentava justificar qualquer ato, por mais pilantra que fosse, passando sempre um verniz novo por cima, já que o sol esturricante podia secar qualquer coisa em poucos minutos, deixando os  objetos brilhantes: alguns chegavam até a cegar com o reflexo do meio-dia, embora sob a camada de resina restasse apenas sobras de madeira podre, cheia de cupins.

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