segunda-feira, 30 de abril de 2012

Rua Molhada



        O dia inteiro nublado.
        Vez por outra recomeçava uma pancada d'água, durando no máximo uma hora e depois tornando-se um chuvisco miúdo mas persistente, continuando nesse vai-e-volta até alta madrugada, só pararando após encharcar todas as pedras e o asfalto por onde vivessem plantas e por onde andasssem bêbados loucos, que por um nada percorriam aquelas calçadas irregulares, tomando cachaça e quedas.
        Nenhum carro passava, nenhuma pessoa se cruzava: tinha-se a impressão de que continuaria chovendo até o amanhecer, mais forte ou mais fraco, dependendo da força do vento frio e da umidade enregelante: existe quem confie na luz fraca dos postes, um último bêbado a caminhar pelo meio da pista deserta, mas que admira o quê?
        A cidade estava parada aquela hora, nada esperava-se dela, nem ela esperaria nada de si, devido tanta água caindo, fenômeno atmosférico deveras rotineiro, incapaz de acordar o sono de quem dorme sob telhados preguiçosos, ouvindo apenas um tamborilar enquanto aconchega-se mais no calor dos cobertores.
        Lá fora gotas suicidas estouram frenéticas nas marquises, nas calçadas, no asfalto, desgastam cimento e ferro, fechando nossos olhos sob aquela luz, sob os elementos água, fogo, vento, terra, o que nos impede de sentir algo além dum frio do caralho, mas é como se por instantes houvesse sentido em algo além daquilo, apenas por estar ali admirando o lugar, sentindo, andando, protegendo-se do frio da escuridão.
        Iluminado pelas luzes precárias dos postes em curto-circuito; pelas lâmpadas sujas que piscavam tão amareladas que era impossível enxergar um palmo à frente; e olhando pro fim da rua, via-se que todos os postes estavam simplesmente apagados.
        Um aguaceiro entre moderado e forte caindo ininterrupto fazia dois dias.
        Transformadores explodindo como bombas, lançando faíscas em todas as direções, então a única solução é seguir em passo acelerado, tentando se proteger do fogo e da água que caem juntos do céu.

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