quarta-feira, 21 de setembro de 2011

The Shit Band

   Information is not knowledge
   Knowledge is not wisdom
   Wisdom is not true
   True is not build
   Build is not love
   Love is not music
   Music is the best.

Aquela ia ser a primeira viagem que faríamos com a banda, depois de quase seis meses tocando pelos bares da cidade. Ninguém conhecia o cara que tinha nos contratado, muito menos o Igor, que era o vocalista/líder e agora empresário do nosso grupo.
-Rapaz, estou só te dizendo! É preocupante porquê além de ser longe pacas, não recebemos nada de adiantamento ainda!
-É, mas não esquece que ele vai mandar uma van pra levar e trazer a banda, além do que o dinheiro está combinado pro final do festival, quando ele apurar a bilheteria!
-E se a bilheteria der só uma mixaria?
-Estás maluco? É a cidade inteira que participa desse negócio, ele disse que são milhares de pessoas pra quem a gente nunca tocou na vida...
Admito que costumo ser muito desconfiado, sempre, ainda mais quando envolve grana, e a gente ainda não tinha visto a cara de quem nos tinha contratado, as coisas tinham sido acertadas por telefone com o Igor, que não era besta nem nada, mas eu estava achando ele empolgado demais.
Sem querer avacalhar, acho que na época nós não estávamos tão bem ensaiados, e o nosso som não sei se encaixaria no ambiente de uma feira agropecuária. O rock que fazíamos talvez fosse meio pesado pra quem não curtisse, e podia ser um fracasso, ainda mais que as músicas eram em inglês, que nesse estilo é bem mais fácil para compor do que o português.
   Realmente estava bom demais pra ser verdade. A gente nem bem tinha começado a tocar por aí, e em menos de seis meses, aparecia uma figura dessas contratando a gente para tocar para milhares de pessoas, simplesmente porque ele tinha visto e gostado de uma das nossas apresentações? Estranho.
No domingo enfim, oito e meia da manhã, reunidos com nossos instrumentos na casa do Francisco, o baterista e justo onde a gente costumava ensaiar, porém a tal da van estava atrasada:
-Pô, cara, tá todo mundo já esperando aqui e o carro ainda não chegou!
-Mas não se preocupe meu garoto! Eu já mandei faz tempo o rapaz e daqui a alguns minutos ele deve estar chegando aí...
Isso foi o que o cara disse, mas quando o motorista finalmente chegou, quase às dez horas, o Renato já estava muito puto, com a guitarra nas costas e dizendo que ia embora, não fosse a gente segurar ele usando todo o nosso poder de bajulação.
   Mas teve outro probleminha: ao invés duma van, foi mandada uma Kombi furreca, e dessa vez foi o Francisco quem ficou puto, pois de jeito nenhum acreditava que seria possível caber todo mundo ali dentro. Contando com a Zana éramos cinco, fora os instrumentos, as duas caixas e a mesa de som:
-Apertando dá!
-Então aperta o teu cú! Arranja outro batera que eu não vou entrar nessa porra!
Dentre todos os problemas de logística por que passa uma banda de rock, transporte dos instrumentos, ensaios, produção, arranjos, além de ter que fazer um som mais ou menos passável, o pior de todos sem dúvida era controlar os egos.
   O relacionamento entre nós quatro, durante todo o tempo que nos conhecíamos, sempre fora cordial, mas agora parecia que todos tinham de fazer um esforço tremendo para suportar o outro, como uma panela de pressão no fogo, sem válvula de escape e prestes a explodir.
O Igor dizia que não, mas era logicamente o cara mais importante ali, pois além de cuidar da parte chata, de fazer os contatos nos lugares onde a gente ia tocar, ainda compunha as letras das canções, e embora não fosse uma virtuose, era o que mais se esforçava nos ensaios, pois não só cantava como também fazia a segunda guitarra.
Os arranjos eram com o Renato, que de nós era o único que fazia faculdade de música, embora muito antes disso eu já considerasse o cara um virtuose. Mas pelo rumo que as coisas vinham tomado nos últimos meses, com a gente tocando todo final de semana e o Igor levando sempre a namorada dele para onde a gente fosse, porque ela era muito ciumenta, estavam deixando nosso principal guitarrista meio estressado. Toda vez que a gente se reunia na casa do Francisco, era ele quem sempre encerrava o ensaio e costumava sair puto, depois de escrotear que todo mundo não passava de um bando de babacas.
O Francisco tinha tocado em mais bandas do que podia se lembrar, e no momento era responsável pela cozinha de duas ao mesmo tempo, ou quase, além do que tinha uma bateria completa, da qual morria de ciúmes. Para ele a gente podia ir até no teto da Kombi, contanto que não arranhassem o precioso instrumento.
Eu mal e porcamente tocava baixo, e pelo som que a gente fazia não era difícil acompanhar o pessoal com três ou quatro notas repetidas, e depois se não elogiavam, pelo menos também não execravam completamente o meu feijão-com-arroz, o que era mais do que suficiente para que às vezes, no meio de uma música, eu até me sentisse feliz.
Gastamos saliva à toa durante uma hora, tentando convencer o Francisco a aceitar o transporte que o contratante tinha mandado. A Zana disse que podia ir de ônibus, para assim sobrar mais espaço; por mim eu disse que sempre tive uma vontade louca de pegar cinco horas de estrada tomando ventinho no teto de uma Kombi caindo aos pedaços. O Renato, depois que o transporte chegou, já tinha se acomodado e garantido o seu lugar ao lado do motorista, mas foi graças ao último argumento do Igor que finalmente resolveu-se a parada:
-Então tá! Já que é assim, tu podes ficar aqui, mas deixa a gente levar pelo menos a batera que eu ligo pro Jaime ir com a gente tocar lá e...
-Mas como é que é? Se tu queres tanto ir assim, então vai tu e essa Banda de Bosta tomar no cú!
Foi assim que aquela apresentação no interior, ao invés de ser nosso primeiro show num grande festival, possivelmente diante do maior público que teríamos até ali, acabou se tornando na verdade o fim do nosso saudoso grupo, o Banda de Bosta.

Um comentário:

  1. Gostei. Achei um conto bem atual e com uso de gírias de acordo com cada personagem. Dá para sentir a personalidade de cada um no fluir da crônica, mas o final me surpreendeu. Achei que eles fossem parar em algum lugar e serem assaltados por causa da desconfiança acerca do contratante :p Eu sempre penso em desgraças suhahusuahsa

    Boa história.

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