domingo, 9 de outubro de 2011

Camarilha Pagã Destrambelhada

     Manhã clara, eles terminaram as provas cedo e resolveram bundear por aí:
-Por que a gente não vai conhecer o Museu De Arte? Hoje não paga entrada...
Dita a palavra-chave, caminharam os três em direção à Cidade Velha, discutindo se começavam ou não a beber antes do meio-dia, quando ainda não tinham comido nada, ficando decidido que primeiro a Arte, então forrariam o bucho, depois quem sabe rolasse uma pinga.
Chegaram, o Gleguer entrando na moral, depois o Beavis e o Chuvisco logo atrás, sem perceberem um cara fardado que correu de uma pilastra e barrou-lhes a passagem, chamando pelo radinho o pessoal da segurança.
-Qual é meu amigo, queres deixar a gente entrar? Tá escrito ali na frente que terça-feira não paga!
-Não sou teu amigo! E tu devias perguntar isso pra mim, tu não me viu te chamando lá na frente, tu és retardado? O Museu tá fechado hoje, vocês podem ir embora se não quiserem que eu tire vocês daqui à força!
-Mas tem gente entrando, olha ali...
-Segurança! Segurança!
Correram bastante, o Beavis na frente porque era o mais alto e tinha as pernas mais longas. Enquanto ele dobrava a esquina, o Chuvisco ainda não tinha conseguido nem atravessar a rua, e o Gleguer corria descontrolado, chamando palavrão por entre os carros deixados no estacionamento natural das cidades, que são as calçadas:
-E agora, José?
O Chuvisco odiava o próprio nome, e o Gleguer só disse aquilo porque no fundo era mau e sabia onde machucava, mas depois resolveram não esquentar. Quando finalmente todos concordaram em tomar uma birita e ficar jogando porrinha, nem bem tinha acabado de soar a undécima hora, como numa daquelas iluminações divinas, começou a chover.
Olharam em volta um lugar que servisse de abrigo e tivesse cadeiras, logicamente se refugiando na Igreja que ficava em frente à praça, como normalmente costumam ficar a maioria das igrejas, o contrário não sendo verdadeiro, paradoxalmente.
Os três dirigiram-se penitenciosos e compungidos,  não até o altar, onde poderiam ser fulminados, mas pela entrada lateral, onde deram de cara com um Cristo Morto De Cera, numa caixa de vidro com uma fenda na altura do peito, coberto de notas de cinco, dez, e algumas de cinquenta, além de moedas de todos os valores.
Olharam-se, contritos...
Difícil saber qual dos três ou se os três pensaram a mesma coisa, talvez ao mesmo tempo; ou se foi uma dessas idéias que na verdade não pertencem a ninguém, apenas ficam suspensas no ar, esperando o mínimo para condensar-se e cair em nossas cabeças. O certo é que menos de dez minutos e um arame de caderno depois, aliviaram Nosso Senhor em quase cem pilas, em notas de cinco e de dez, além de algumas moedas.
Mas nada acontece sem propósito e não se furta uma igreja impune, nenhuma delas, o remorso bate e ameaça levar o mau cristão direto pro inferno, vaporizado por um raio mortífero, tal a vileza do fim a que destinavam o modesto butim, no que a mente nada modesta, no caso a do Beavis, comovido com semelhante baixeza de ideais e sentimentos, no maior e mais redentor conselho capaz de purificá-los do pecado cometido, sugeriu:
-E se a gente usar só metade do dinheiro e com o resto a gente faz caridade?
Assim uma metade da grana foi pra lanches e birita, a outra metade a galera comprou umas bolachas com Refri e deu pros mendigos jogados em frente a Igreja, mas eles ficaram putos: disseram que não queriam comida, que da próxima vez o merdinha que quiser fazer caridade só pra não se sentir um grandessíssimo dum feladaputa, melhor trazer o dinheiro em espécie, pôrra!

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