quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Absolutamente Livre

"Os desejos das pessoas são como o mundo dos mortos: sempre há lugar pra mais um" Provérbios 27.20

        Lá estava ele, deitado naquela cama de motel, imaginando com que frequência trocavam aqueles lençóis, enquanto a moça que o acompanhava tinha levantado e estava trancada no banheiro, onde não se ouvia o som de água.
        A tv ligada passava um eterno pornô, daqueles que devem passar em todos os motéis do mundo, sem a mínima graça ou muito engraçados, ao menos para quem tinha acabado de transar.
        Pegou o controle e começou a zapear por alguns canais, até que encontrou um onde exibiam um filme que fazia tempo havia assistido, sobre a vida de Jesus Cristo numa perspectiva surreal, que de alguma maneira encaixava-se perfeitamente com aquele momento.
        Deviam na época ter chamado o diretor de sacrílego pra baixo, indignados de como alguém teve a coragem de sugerir uma estória alternativa em que o Filho do Homem, vencido pela dor, se dobrava ao inimigo e abandonava a cruz.
        "Será que tudo agora não passa de uma piada de péssimo gosto?"
        Era como se já tivesse visto tudo que tinha pra ver, e a sensação que sobrava era de estar vivendo num mundo insípido e pasteurizado, como numa comédia da Sessão da Tarde, onde nada mais era novidade embora quisesse sê-lo, e o que chamavam de novidade na maioria das vezes não passava de cópia malfeita do produzido no passado.
        E se ainda não achava que o planeta inteiro havia se tornado uma cópia retrô vagabunda de si mesmo, era porque faltavam-lhe referências.
        Mudou novamente para o canal pornográfico quando ouviu o barulho da porta abrindo e a moça saiu do banheiro, esfolando nervosamente o nariz com a mão espalmada, o cartão que tinha usado para dar os tecos enfiado no cós da calcinha:
        -O que estás fazendo?
        -Estava esperando você sair e voltar pra cama, se tiver condições.
        -Então abre outra cerveja pra mim.
        Transaram de novo. Quando terminaram ela voltou ao banheiro e passou a chave. Ele teve vontade de dizer que ela poderia se drogar ali mesmo na cama, que não tinha problema, quando acabasse aquela porcaria era só ligar pedindo outra.
         Embora soubesse não ser nada de mais, incomodava-o um pouco aquela garota ali trancada, provavelmente fazendo caretas pro espelho, querendo dar uma de junkie, mas que no fundo era só mais uma dessas pessoas frustradas por não saber o que fazer da vida, parecendo-se com mil coisas para no fim não ser nenhuma, que voltaria para a casa dos pais na manhã seguinte como se nada houvesse acontecido, mas com razão, afinal nada acontecera.

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