domingo, 13 de novembro de 2011

O Plano Inverso

        Ele abriu os olhos e o mundo ao redor pareceu-lhe estranho, completamente diferente daquele que existira ao dormir. As paredes do quarto mofadas e sujas tinham perdido o reboco, restava apenas o tijolo enegrecido pelo limo que crescera provavelmente por causa da chuva, já que teto também não existia mais.
        O chão repleto de imundícies e tábuas apodrecidas fedia a excrementos, como se todos os mendigos da cidade tivessem cagado ali. Havia lixo e destroços por todo canto, teve a impressão de que no escuro moviam-se muitos insetos e bichos asquerosos, porém não era possível vê-los, apenas sentir sua presença esqueirando-se no lodo úmido.
        O céu estava cinzento, mas não soube dizer se amanhecia ou anoitecia. As cores haviam perdido sua nitidez, tornando aquele mundo pálido e lúgrube. Era como se os objetos estivessem mortos e jazessem numa semi-escuridão, e até o tempo houvesse congelado naquela hora miserável:
        "Estive dormindo e acordei neste sonho; agora que vi o inverso do real, acordar novamente é impossível"
        Beliscou-se uma, duas, três vezes, e continuou até a pele dos braços começar a ficar com manchas roxas. Não conseguia entender o que acontecera: enxergava como se através de uma cortina d'água. Estava posicionado por detrás de uma cachoeira e forçava a vista em direção ao outro lado, porém a todo momento  as imagens escorriam fluidas de suas retinas.
        Quando saiu para a rua pôde ver que não só a sua mas todas as casas e a própria rua aparentavam terem sido bandonadas de repente pelas pessoas, fugidas de uma grande peste ou de uma guerra atômica.
         Lixo por toda parte, carros, muros e as poucas construções que ainda não haviam desmoronado caindo aos pedaços.
        Por toda parte insinuava-se uma sombra terrível que o perseguia, e que não merecera qualquer nome que tivesse sido inventado, por nunca mostrar-se à luz como o próprio medo. E aquilo que se apresentava como a realidade para ele agora, não sabia como mas sentia isso, era o contrário da vida:
        "Estive dormindo e acordei neste sonho; agora que vi o inverso do real, acordar novamente é impossível"
                                                                        ...
        Ao longe uma figura se aproximava, mas não pôde dizer se era homem ou mulher. À medida que ia chegando mais perto percebia que a figura era meio borrada, andava com um movimento ligeiro, como se não pesasse mais que algumas gramas e praticamente flutuava sem o esforço das pernas.
        Passou então por sua frente e nem sequer olhou-o; pôde prestar atenção no motivo: aquela pessoa não tinha fisionomia, não tinha nariz, olhos nem ouvidos. Era apenas um contorno vaporoso a mover-se que sumiu no ar assim que foi tocado, desaparecendo totalmente.
        Foi então que ouviu uma voz e sentiu um calafrio atravessar seu corpo. As pernas tornarem-se leves como se tivessem perdido a substância de que eram feitas. Veio-lhe de súbito uma irresistível necessidade de caminhar, enquanto seu pensamento ia desaparecendo de vez na escuridão:
       "Estive dormindo e acordei neste sonho; agora que vi o inverso do real, acordar novamente é impossível."

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