sábado, 26 de novembro de 2011

Estranha Noite Daquele Dia

     
        Ela apareceu deitada ao meu lado folheando um livro, com uma expressão tão grave que não resisti ao impulso de admirá-la durante alguns segundos, até que levantou os olhos das páginas e me encarou:
        -O que foi?
        -Nada, apenas olhando você.
        -Bem, estava concentrada neste livro, seria realmente bom se desses uma lida.
        -O que diz aí?
        -Conta estórias de pessoas que conversavam com espíritos sem perceber que se tratavam de pessoas mortas.
        -É mesmo?
        -Exatamente. Como entrar no ônibus e sentir que dentre os passageiros existe um que somente tu podes ver. Ou no cinema quando alguém no escuro acena em tua direção, mas ao acenderem-se as luzes a pessoa sumiu. E a sensação mais estranha, ao notares que estás sozinho neste quarto conversando com uma pessoa que não existe...
        A garota simplesmente desapareceu e um calafrio percorreu-me a espinha. Fechei os olhos e comecei a rezar mentalmente. Queria gritar mas não conseguia emitir um único ruído, meu corpo estava completamente paralisado, os músculos não obedeciam. O fantasma que sumira tinha razão: embora eu tivesse enchido a caveira até mais tarde na rua, cheguei em casa naquela noite desacompanhado.
        O quarto ficou novamente vazio. Aos poucos fui recuperando o movimento dos membros, até que enfim levantei e saí ainda meio atordoado, as pernas desobedecendo o comando do cérebro.
        Durante instantes não pude acreditar que aquilo realmente tivesse acontecido, talvez uma peça pregada por um amigo. Imaginei se alguém não entrara sem que eu notasse.
        Fui descendo confuso as escadas verificar o portão e tive que me apoiar nas paredes para não cair.
Reparei então: a porta da frente estava realmente destrancada, e eu tinha  quase certeza de que chegara em casa só. E o pior era que o molho de chaves fora largado em cima da mesa da cozinha, junto com o cadeado, eu que nunca deixei a porta da frente aberta.
        Estranho mesmo foi que logo em seguida a luz apagou-se deixando tudo escuro como breu. Explodiu um transformador e o meu e outros cinco bairros ficaram sem energia.
        A rua de casa e portanto a minha casa estava às escuras também.
        Tentei seguir em direção à cozinha assim mesmo. Já havia feito aquele trajeto milhares de vezes. Além das chaves e do cadeado, pegaria uma vela e fósforos além de um copo de aguardente para relaxar, mas no meio do caminho senti que alguém  impedia-me de andar.
        Olhei para baixo e vi uma mão de mulher segurando-me o pulso esquerdo, eu sem coragem levantar a cabeça e encarar o que quer que fosse,  novamente paralisado, sentindo os pêlos da nuca arrepiarem-se ao escutar meu nome dito numa voz gélida, e um recado  que havia sido trazido para mim:
        -Cuidado com o que procuras...

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